Acórdão: Apelação Cível n. 1.0680.06.008460-4/001, de Taiobeiras.
Relator: Des. Eduardo Mariné da Cunha.
Data da decisão: 17.11.2011.
Número do processo: 1.0680.06.008460-4/001(1)
Númeração Única: 0084604-44.2006.8.13.0680
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Relator: Des.(a) EDUARDO MARINÉ DA CUNHA
Relator do Acórdão: Des.(a) EDUARDO MARINÉ DA CUNHA
Data do Julgamento: 17/11/2011
Data da Publicação: 22/11/2011
EMENTA: Em relação ao ressarcimento da quantia paga pela aquisição do imóvel (R$ 1.400,00), devem os autores buscar a satisfação de sua pretensão em face do alienante, tratando-se, pois, de direito decorrente do instituo da evicção, disciplinado no artigo 447 do Código Civil de 2002. Não obstante não se encontrar configurada a culpa dos requeridos pelos fatos noticiados na inicial, é manifesta a existência das acessões realizadas de boa fé pelos autores, que valorizaram e aderiram ao imóvel, devendo o valor correspondente lhes ser ressarcido, sob pena de enriquecimento sem causa. Não restando configurados os pressupostos da responsabilidade civil, uma vez que os requeridos não deram causa aos prejuízos sofridos pelos autores, relativamente a perda do terreno, não há que se falar em dano moral, devendo ser mantida a improcedência do pedido, nesse tópico. Recurso parcialmente provido.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0680.06.008460-4/001 - COMARCA DE TAIOBEIRAS - APELANTE(S): MARILENE OLIVEIRA BRITO, PEDRO JOSÉ RIBEIRO E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): LAURINDA DE OLIVEIRA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 17 de novembro de 2011.
DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA,
RELATOR.
DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA (RELATOR)
VOTO
Cuida-se de ação de indenização ajuizada por PEDRO JOSÉ RIBEIRO e sua mulher MARILENE DE OLIVEIRA BRITO RIBEIRO, em face de LAURINDA DE OLIVEIRA e ALDENY LOURENÇO DE SOUZA.
Relataram os autores terem adquirido de José Cassemiro Neto e sua mulher, Maria Paixão Santos Rolina Cassemiro, em 13 de setembro de 1997, o imóvel constituído por uma casa em construção, situada na R. Ipanema, n. 606, bairro Bom Jardim, em Taiobeiras/MG, pelo preço de R$ 1.400,00.
Aduziram que edificaram no imóvel diversas benfeitorias, tais como, "término no levantamento de paredes, colocação de laje, telhado de amianto, portas e janelas, piso grosso de cimento, muros, etc", tendo despendido, para tanto, o valor de R$3.000,00.
Sustentaram que próximo à data da mudança, ou seja, quando da conclusão da obra, foram surpreendidos com a citação para os termos de uma ação de reintegração de posse, movida pela primeira requerida, a qual acabou sendo julgada procedente, causando-lhe diversos prejuízos, vez que adquiriram o imóvel de boa-fé, nele edificando benfeitorias.
Afirmaram, ainda, que, malgrado o segundo requerido tivesse conhecimento de sua boa-fé, adquiriu o imóvel da primeira ré, devendo, assim, suportar os ônus dos prejuízos que lhe causou.
Ao final, pediram a procedência dos pedidos, com a condenação dos réus, solidariamente, ao pagamento de indenização, a título de danos materiais, consistente no valor que despenderam para a aquisição do imóvel (R$ 1.400,00) e R$ 3.000,00, referente ao material e mão de obra utilizados para a realização das benfeitorias. Formularam, ainda, pedido de condenação dos requeridos ao pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrado pelo juízo.
Devidamente citado, o segundo réu apresentou defesa (f. 28-30), arguindo, preliminarmente, inépcia da inicial. No mérito, sustentou que não tem nenhuma relação com os autores, vez que não participou do negócio jurídico noticiado na exordial, defendendo a regularidade da sua posse, que lhe foi transmitida pela primeira ré. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos inicias.
Às f. 53-56, a primeira requerida apresentou defesa, sustentando que desconhece as transações de compra e venda noticiadas na exordial, acrescentando que sempre foi a proprietária do imóvel. Sustentou seu direito à manutenção do provimento favorável obtido na ação de reintegração de posse movida em face dos autores, que tramitou perante o Juizado Especial da Comarca de Taiobeiras, com sentença transitada em julgado. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos.
Preliminar de inépcia da inicial, rejeitada às f. 69-70.
Prova testemunhal às f. 120-123.
Às f. 135-139, a MM. juíza singular proferiu sentença, julgando improcedentes os pedidos iniciais, condenando os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.200,00, suspendendo a exigibilidade de tais verbas, nos termos do art. 12, da Lei n. 1.060/50.
Inconformados, os autores interpuseram apelação (f. 141-145), reiterando as razões postas na inicial, pugnando pela reforma da decisão primeva, visando à procedência dos pedidos.
Em contrarrazões de f. 148-151, a primeira apelada bateu-se pelo desprovimento do recurso.
Conheço do recurso, vez que presentes os pressupostos legais de sua admissibilidade.
Em relação à improcedência do pedido de pagamento de indenização, a título de danos materiais, consistente no valor que os autores despenderam para a aquisição do imóvel objeto da demanda (R$ 1.400,00), vejo que não merece reforma a sentença.
Isso porque, não obstante restar demonstrado nos autos que os autores adquiriram o imóvel em questão, pagando o preço de R$ 1.400,00, o fizeram diretamente do Sr. José Cassemiro Neto, consoante recibo de f. 13. Em nenhum momento, os ora apelados figuraram na cadeia de alienação do imóvel noticiada pelos autores e comprovada pelos documentos de f. 08-11, não podendo, pois, ser responsabilizados pelo ressarcimento da quantia relativa à compra e venda do terreno.
Frise-se que a primeira requerida demonstrou que detém, legitimamente, a posse do imóvel objeto da presente ação, consoante sentença proferida nos autos da ação de reintegração de posse movida em face do primeiro autor, cuja cópia encontra-se juntada à f. 20.
Destarte, devem os autores buscar a satisfação de sua pretensão em face da pessoa que lhes alienou o terreno, tratando-se, pois, de direito decorrente do instituo da evicção, disciplinado no artigo 447 do Código Civil de 2002, aplicável à espécie:
"Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública".
Oportunos são os ensinamentos de Maria Helena de Diniz sobre evicção:
"vem a ser a perda da coisa, por força de decisão judicial, fundada em motivo jurídico anterior, que a confere a outrem, seu verdadeiro dono, com o reconhecimento em juízo da existência de ônus sobre a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato" (in "Curso de Direito Civil Brasileiro", v.3, Saraiva, p. 126).
Nelson Rosenvald, em nota ao retrotranscrito dispositivo da Lei Substantiva Civil, leciona:
"Nas relações contratuais, não é suficiente que o transmitente entregue a coisa, cumprindo a obrigação principal, para haver a satisfação do outro contratante. As obrigações são complexas, exigindo-se do alienante que atue conforme a boa-fé, observando-se os deveres anexos de proteção, cooperação e informação, a fim de que o bem adquirido possa ser fruído da melhor forma possível pelo adquirente, tutelando-se as suas legítimas expectativas quanto ao negócio jurídico realizado.
Contudo, além da obrigação principal e dos deveres instrumentais oriundos da boa-fé, o sistema jurídico concebe garantias quanto à tutela física e jurídica do objeto adquirido. Vale dizer que o adquirente será protegido quanto à existência de vícios ocultos que tornem a coisa imprópria para o uso (art. 441 do CC), bem como no tocante à legitimidade do direito que é transferido.
(...) Relativamente à evicção, cuida-se de dever de garantia diante de eventual perda da coisa em virtude de decisão judicial ou administrativa que conceda o direito - total ou parcial - sobre ela a um terceiro estranho à relação contratual em que se deu a aquisição. O terceiro demonstra a anterioridade de seu direito, por deter a condição de real proprietário ou possuidor do bem, através de titulação anterior ao negócio que concedeu o direito ao adquirente. Com a perda da coisa, este passa a se chamar evicto (excluído). Incumbirá ao evicto dirigir-se ao alienante, pleiteando a indenização pelos prejuízos decorrentes da transferência de um direito que não lhe pertencia quando formalizado o contrato." (in Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência, Coordenador: Min. Cezar Peluso, Manole, 3. ed., Barueri, SP: Manole, 2009, p. 483-484)
Entretanto, os autores demonstraram terem erigido acessões no imóvel, consoante recibos de f. 16-17, bem como prova testemunhal, que ora transcrevo em parte:
"(...) que os autores edificaram uma casa no terreno, não sabendo informar o seu tamanho e nem o valor gasto. (...)" (depoimento de Advaldo Cruz - f. 121)
"(...) que os autores construíram uma casa de porte médio no terreno. (...)" (depoimento de Rosivaldo Carlos dos Santos - f. 122)
"(...) que trabalhou para os autores na edificação de uma casa no terreno situado na Rua Ipanema, n. 606; que a casa edificada possui cinco cômodos; que a casa está acabada, com pisos, portas e janelas; (...) que antes da obra iniciada, havia penas um monte de entulho no terreno. (...) a casa está telhada e pitada; que a casa é de laje; que a casa foi construída com tijolo comum." (depoimento de Sebastião Rodrigues - f. 123)
Registre-se que, não obstante não se encontrar configurada a responsabilidade civil dos requeridos pela perda do imóvel, é manifesta a existência das acessões realizadas de boa fé pelos autores, que valorizaram e aderiram ao imóvel, devendo o valor correspondente lhes ser ressarcido, sob pena de enriquecimento sem causa dos requerentes.
Referida quantia deverá ser apurada em liquidação de sentença por arbitramento e limitada ao pleito inicial (R$ 3.000,00), sob pena de prolação de decisão ultra petita.
Em relação ao dano moral, sua reparabilidade ou ressarcibilidade é pacífica na doutrina e na jurisprudência, mormente após o advento da Constituição Federal de 05.10.88 (art. 5º, incisos V e X), estando hoje sumulada sob o nº 37, pelo STJ.
Como observa Aguiar Dias, citado pelo Des. Oscar Gomes Nunes do TARS,
"a reparação do dano moral é hoje admitida em quase todos os países civilizados. A seu favor e com o prestígio de sua autoridade pronunciaram-se os irmãos Mazeaud, afirmando que não é possível, em sociedade avançada como a nossa, tolerar o contra-senso de mandar reparar o menor dano patrimonial e deixar sem reparação o dano moral." (cfr. Aguiar Dias, 'A Reparação Civil', tomo II, pág 737).
Importante ter-se sempre em vista a impossibilidade de se atribuir equivalente pecuniário a bem jurídico da grandeza dos que integram o patrimônio moral, operação que resultaria em degradação daquilo que se visa a proteger (cf. voto do Min. Athos Carneiro, no REsp nº 1.604-SP, RSTJ 33/521).
Caio Mário, apagando da ressarcibilidade do dano moral a influência da indenização, na acepção tradicional, entende que há de preponderar
"um jogo duplo de noções: a- de um lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia (...); b- de outro lado, proporcionar à vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é o pretium doloris, porém uma ensancha de reparação da afronta..." (aut cit., "Instituições de Direito Civil", vol II, Forense, 7ª ed., pág. 235).
E acrescenta:
"na ausência de um padrão ou de uma contraprestação que dê o correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao juiz o arbitramento da indenização..." (Caio Mário, ob. cit., pág. 316).
Os pressupostos da obrigação de indenizar, seja relativamente ao dano contratual, seja relativamente ao dano extracontratual, são, no dizer de Antônio Lindbergh C. Montenegro:
"a- o dano, também denominado prejuízo; b- o ato ilícito ou o risco, segundo a lei exija ou não a culpa do agente; c- um nexo de causalidade entre tais elementos. Comprovada a existência desses requisitos em um dado caso, surge um vínculo de direito por força do qual o prejudicado assume a posição de credor e o ofensor a de devedor, em outras palavras, a responsabilidade civil" (aut. menc., "Ressarcimento de Dano", Âmbito Cultural Edições, 1992, nº 2, pág. 13).
Nesse diapasão, não restando configurados os pressupostos da responsabilidade civil, uma vez que os requeridos não deram causa aos prejuízos sofridos pelos autores, relativamente à perda do terreno, não há que se falar em dano moral, devendo ser mantida a improcedência do pedido, nesse tópico.
Com tais razões de decidir, dou parcial provimento ao recurso, para julgar parcialmente procedentes os pedidos inicias, condenando os réus, solidariamente, a ressarcirem os autores do valor equivalente às benfeitorias e acessões edificadas no imóvel, a ser apurado em liquidação de sentença, limitado ao importe de R$ 3.000,00.
Em face da sucumbência recíproca, condeno os autores ao pagamento de 2/3 das custas processuais, incluídas as recursais, cabendo aos requeridos o 1/3 remanescente, suspendendo a exigibilidade de tais verbas, nos termos do art. 12 da Lei n. 1.060/50.
Honorários advocatícios, tal como fixados na sentença (R$ 1.200,00) na mesma proporção (2/3 pelos autores e 1/3 pelos réus), permitida a compensação, //nos termos da Súmula 306, do STJ e com a mesma ressalva supra.
DES. LUCIANO PINTO (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DESA. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO"
3 de set. de 2012
TJMG. Evicção. Conceito. Art. 447 do CC/2002. Interpretação.
TJMG. Evicção. Conceito. Art. 447 do CC/2002. Interpretação. Oportunos são os ensinamentos de Maria Helena de Diniz sobre evicção: "vem a ser a perda da coisa, por força de decisão judicial, fundada em motivo jurídico anterior, que a confere a outrem, seu verdadeiro dono, com o reconhecimento em juízo da existência de ônus sobre a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato" (in "Curso de Direito Civil Brasileiro", v.3, Saraiva, p. 126). Nelson Rosenvald, em nota ao retrotranscrito dispositivo da Lei Substantiva Civil, leciona: "Nas relações contratuais, não é suficiente que o transmitente entregue a coisa, cumprindo a obrigação principal, para haver a satisfação do outro contratante. As obrigações são complexas, exigindo-se do alienante que atue conforme a boa-fé, observando-se os deveres anexos de proteção, cooperação e informação, a fim de que o bem adquirido possa ser fruído da melhor forma possível pelo adquirente, tutelando-se as suas legítimas expectativas quanto ao negócio jurídico realizado. Contudo, além da obrigação principal e dos deveres instrumentais oriundos da boa-fé, o sistema jurídico concebe garantias quanto à tutela física e jurídica do objeto adquirido. Vale dizer que o adquirente será protegido quanto à existência de vícios ocultos que tornem a coisa imprópria para o uso (art. 441 do CC), bem como no tocante à legitimidade do direito que é transferido. (...) Relativamente à evicção, cuida-se de dever de garantia diante de eventual perda da coisa em virtude de decisão judicial ou administrativa que conceda o direito - total ou parcial - sobre ela a um terceiro estranho à relação contratual em que se deu a aquisição. O terceiro demonstra a anterioridade de seu direito, por deter a condição de real proprietário ou possuidor do bem, através de titulação anterior ao negócio que concedeu o direito ao adquirente. Com a perda da coisa, este passa a se chamar evicto (excluído). Incumbirá ao evicto dirigir-se ao alienante, pleiteando a indenização pelos prejuízos decorrentes da transferência de um direito que não lhe pertencia quando formalizado o contrato" (in Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência, Coordenador: Min. Cezar Peluso, Manole, 3. ed., Barueri, SP: Manole, 2009, p. 483-484).
Integra do acórdão