Acórdão: Apelação Cível n. 70043941095, de Lajeado.
Relator: Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana.
Data da decisão: 27.10.2011.
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. NOVAÇÃO DE DÍVIDA. COBRANÇA EFETUADA NA PESSOA DO ANTIGO DEVEDOR. ART. 360, II, DO CÓDIGO CIVIL. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL. CABIMENTO. QUANTUM. HONORÁRIOS. Caso em que há novação da dívida perante a empresa demandada, sendo a responsabilidade pelo débito repassada a terceiro, com a anuência da ré. Cobrança efetuada em nome da antiga devedora. Ausência de responsabilidade pela dívida (art. 360, II, do Código Civil). Cadastro nos órgãos de proteção ao crédito que se mostrou indevido. Dano moral in re ipsa. Tratando-se de firma individual, em que, de regra, ocorre confusão não só do nome, mas também do patrimônio da pessoa física com a pessoa jurídica, viável a possibilidade de pleitear danos morais. Ausente sistema de tarifamento, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Valor majorado. Verba honorária fixada em percentual sobre a condenação. Negaram provimento ao recurso da ré. Proveram em parte o apelo da autora. Unânime.
APELAÇÃO CÍVEL
DÉCIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70043941095
COMARCA DE LAJEADO
MARILIA DRAGHETTI
APELANTE/APELADO
VONPAR REFRESCOS S.A.
APELANTE/APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso da ré e prover em parte o apelo da autora.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS E DES. IVAN BALSON ARAUJO.
Porto Alegre, 27 de outubro de 2011.
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA,
Relator.
RELATÓRIO
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (RELATOR)
MARÍLIA DRAGHETTI ajuizou "Ação Anulatória cumulada com Pedido de Repetição do Indébito e Indenização" em desfavor de VONPAR REFRESCOS S/A., partes qualificadas nos autos.
A princípio, adoto o relatório de fls.142-143.
A Juíza de Direito decidiu:
DIANTE DO EXPOSTO, confirmando a tutela antecipatória concedida, julgo:
a) EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, por ilegitimidade ativa ad causam, quanto aos pedidos constantes nos itens d.2 (cancelamento da cobrança) e d.3 (devolução em dobro dos valores);
b) PARCIALMENTE PROCEDENTES os demais pedidos lançados na inicial, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para fins de: a) determinar a exclusão definitiva de MARILIA DRAGHETTI (CNPJ 03.268.563/0001-53) dos órgãos de proteção ao crédito; b) condenar a demandada a pagar à autora a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reis) a título de indenização por danos morais, atualizada monetariamente pelo IGP-M a partir desta data, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir da data da inscrição nos referidos órgãos.
Responderá o réu pelo pagamento de 70% das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 600,00 (art. 20, § 4º do CPC), considerando a ausência de maiores complexidades e da instrução probatória, bem como da sucumbência parcial.
Arcará a autora com o pagamento do restante das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte contrária em quantia equivalente a 30% do valor anteriormente fixado, admitida a compensação, nos termos da Súmula 306 do STJ.
As partes apelam.
Em razões recursais, a autora reitera que foi indevidamente cobrada e cadastrada em órgãos de proteção ao crédito pela demandada. Logo, considera que a decisão de primeiro grau não quantificou adequadamente o dano moral, ressaltando o caráter punitivo da condenação, bem como as condições financeiras da empresa requerida. Ainda ressalta que teve o crédito abalado para a comercialização de bebidas. Colaciona jurisprudência e, por fim, pugna pelo provimento do recurso, para que sejam majorados o valor indenizatório e os honorários advocatícios.
Por sua vez, a ré salienta a inadimplência da demandante, comprovada em provas documentais. Argumenta que chegou, inclusive, a facilitar as condições de pagamento da dívida. Porém, aduz ter restado débito, razão pela qual efetivou o cadastro contestado. Portanto, afirma ter agido de forma regular, sem qualquer ilicitude. Ainda entende que a requerente não comprovou o dano moral alegado. Ao final, requer o provimento da inconformidade, com afastamento da condenação e reconhecimento da dívida ou, de forma alternativa, a minoração do valor indenizatório.
Ambos os recursos são contra-arrazoados.
Subiram os autos.
É o relatório.
VOTOS
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (RELATOR)
Analiso ambos os recursos conjuntamente.
Versa a presente lide acerca de pedido de declaração de inexistência de débito, com ressarcimento de valores, e indenização por danos morais sob a alegação da parte autora de desconhecer a dívida levada a registro pela ré nos órgãos de proteção ao crédito.
Com efeito, da análise dos autos, tenho que não era a parte autora a responsável pelo adimplemento dos valores cobrados pela empresa requerida a título de compra e venda de bebidas, haja vista que, conforme a própria ré afirma em sua contestação (p. 29), o débito fora assumido por terceiro, Sr. Paulo César Draghetti, através de novação, sendo este o legítimo devedor para com a empresa demandada.
A sentença a quo bem analisou o ponto, razão pela qual peço vênia para trazer como razões de decidir sem nenhum reparo, verbis:
Tenho que no caso presente incide o instituto da novação, conforme referido pela parte autora e admitido pela ré.
Dispõe o art. 360, inciso II, do Código Civil:
Art. 360. Dá-se a novação:
II – quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor.
Veja-se, que a própria ré admite que, em 07/07/2008, por solicitação da autora, foi aberto cadastro na Vonpar em nome de Paulo César Draghetti, que na ocasião afirmou ter ciência do débito e se comprometeu a quitar a pendência, o que não ocorreu (fl. 29).
No mesmo sentido, assevera a autora que houve a renegociação entre os litigantes, ocasionando novação, inclusive com a substituição da demandante, ora devedora, pelo Sr. Paulo César Draghetti que se comprometeu a quitar a pendência (fl. 68).
Com efeito, a incidência do instituto da novação substitui uma obrigação por outra, surgindo uma nova relação jurídica, que ratifica, extingue e substitui a anterior. Na literalidade de Nelson Nery Jr.:
Quando se verifica a novação dois fenômenos ocorrem simultaneamente: a) a ratificação da dívida anterior que se quer novar; e b) a extinção daquela dívida em face da substituição da obrigação por outra. Diante desse caráter ratificador, não se pode admitir a novação de dívidas nulas ou extintas. (...) (Código Civil Comentado. 5. ed. Editora Revista dos Tribunais, p. 438).
Considerando que a novação extingue a dívida anterior e constitui inédito vínculo jurídico entre o credor e o novo devedor, entendo não ser a autora parte legítima para postular a extinção da dívida cujo pagamento outrem está obrigado, em relação jurídica diversa, tampouco a repetição de valores a ela vinculados. Tanto isso é verdade, que o art. 363 do Código Civil dispõe que:
Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição.
Convém assinalar que os valores pagos pela autora quando ainda responsável pela dívida foram feitos licitamente, em momento em que não havia qualquer litígio acerca, razão pela qual não há que se falar em repetição.
Nesta parte, portanto, deve ser extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC, por ausência de condição da ação consistente na legitimidade de parte ativa.
Assim sendo, tenho que indevido o cadastro da parte autora, através do CNPJ da firma individual, junto aos órgãos de proteção ao crédito, pois, como dito, não era mais ela a responsável pela quitação do débito, nos termos do art. 360, II, do Código de Processo Civil.
Acerca do reconhecimento do dano moral no presente caso, nunca é demais lembrar que a autora é comerciante individual, havendo nítida confusão entre a sua pessoa física e a pessoa jurídica que representa. Ora, respondendo com seus bens nada mais justo que tenha, também o direito de pleitear créditos e direitos que sejam devidos à empresa.
No tocante à ocorrência do prejuízo, tratando-se de inscrição indevida nos cadastros de restrição ao crédito, resta configurado o dano moral puro, in re ipsa, o qual independe de prova para sua configuração.
CIVIL. CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. INSCRIÇÃO. Comprovada a inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito, o dano moral é presumido. Agravo regimental não provido.
(AgRg. no Ag. 779264/RJ; Relator(a): Ministro ARI PARGENDLER: Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA; Data do Julgamento: 07/05/2007; Data da Publicação/Fonte: DJ 28.05.2007 p. 328).
Confirmada a presença do ilícito e do dano moral, cabe examinar-se o valor atribuído a título de indenização pela agressão sofrida pela parte autora, eis que ambas as partes recorrem do montante arbitrado em sentença.
Já manifestei posição de que a fixação do dano deve obedecer aos critérios da prudência, da moderação, das condições da ré em suportar a eqüidade do encargo, e não aceitação do dano como fonte de riqueza.
Da mesma forma a fixação do montante indenizatório deve guardar uma equivalência entre as situações que tragam semelhante colorido fático.
As variações nos valores das indenizações existem conforme as circunstâncias fáticas que envolvam o evento.
Destarte, atento às operadoras antes mencionadas e observando os critérios comumente manejados pela Câmara em demandas que guardam similitude entre si, estou que a importância fixada na sentença (R$ 2.000,00 – dois mil reais) deva ser majorada para o montante de R$ 6.000,00 (seis mil reais), valor que entendo adequado a compensar a autora pelo injusto sofrido. Sobre o valor deverá incidir correção monetária a partir da presente data, nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora conforme determinado pelo decisum a quo.
Em relação ao pedido de majoração da verba honorária, merece ser acolhida em parte a irresignação da autora. Havendo condenação, há de ser fixado em percentual. Dessa forma, tenho que 20% mostra-se condizente com a hipótese dos autos, de acordo com o art. 20, § 3º, do CPC.
Isso posto, e pelas razões acima alinhadas, estou por negar provimento ao recurso da ré e prover em parte o apelo da autora, para majorar o valor arbitrado a título de indenização por danos morais.
É como voto.
DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. IVAN BALSON ARAUJO - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação Cível nº 70043941095, Comarca de Lajeado: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ. PROVERAM EM PARTE O APELO DA AUTORA. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: DENISE DIAS FREIRE
3 de set. de 2012
Novação. Arts. 360 a 367 do CC/2002. Quando ocorre.
TJRS. Novação. Arts. 360 a 367 do CC/2002. Quando ocorre. Na literalidade de Nelson Nery Jr.: Quando se verifica a novação dois fenômenos ocorrem simultaneamente: a) a ratificação da dívida anterior que se quer novar; e b) a extinção daquela dívida em face da substituição da obrigação por outra. Diante desse caráter ratificador, não se pode admitir a novação de dívidas nulas ou extintas. (...) (Código Civil Comentado. 5. ed. Editora Revista dos Tribunais, p. 438).
Integra do acórdão