A respeito, esclarece Cândido Rangel Dinamarco: A imutabilidade da sentença e de seus efeitos é um dos mais importantes pesos responsáveis pelo equilíbrio entre exigências opostas, inerente a todo sistema processual: enquanto a garantia do contraditório, o direito à prova, os recursos etc., propiciam o aprimoramento da qualidade dos julgamentos mediante a refletida ponderação do juiz em torno da pretensão e dos pontos duvidosos que as envolvem (Calamandrei), a imutabilidade implica pôr um ponto final nos debates e nas dúvidas, oferecendo a solução final destinada a eliminar o conflito ou, ao menos, a extinguir os vínculos inerentes à relação processual. (Instituições de direito processual civil. v. III, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 296-297). Nesse sentido, salientam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: Transitada a sentença de mérito, as partes ficam impossibilitadas de alegar qualquer outra questão relacionada com a lide sobre a qual pesa a autoridade da coisa julgada. A norma reputa repelidas todas as alegações que as partes poderiam ter feito na petição inicial e na contestação a respeito da lide e não o fizeram. Isso quer significar que não de admite a propositura de nova demanda para rediscutir a lide, com base em novas alegações. A esse fenômeno dá-se o nome de eficácia preclusiva da coisa julgada. (Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 810).
Íntegra do acórdão:
Apelação Cível n. 2008.004339-6, de Videira.
Relator: Des. Cláudio Valdyr Helfenstein.
Data da decisão: 31.05.2012.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – RECURSO DA PARTE RÉ. JUROS REMUNERATÓRIOS – POSTULAÇÃO OBJETIVANDO A LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO OU À TAXA MÉDIA DE MERCADO – SENTENÇA RECONHECENDO A OCORRÊNCIA DE COISA JULGADA MATERIAL EM FACE DO DECISUM PROLATADO EM AÇÃO REVISIONAL NA QUAL O ENCARGO JÁ RESTOU LIMITADO NOS MOLDES ALMEJADOS PELA APELANTE – AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL - NÃO CONHECIMENTO ADEMAIS, ANÁLISE INVIABILIZADA, AINDA QUE AS TESES DEFENSIVAS FOSSEM DIVERSAS DAS JÁ SUSCITADAS NA DEMANDA REVISIONAL, DADA A EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA – EXEGESE DOS ARTIGOS 467 E 474, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - POSSIBILIDADE – EXEGESE DO ENUNCIADO DE SÚMULA N. 306 - POSICIONAMENTO REAFIRMADO PELO C. STJ EM JULGADO PROFERIDO NO ÂMBITO DA LEI DOS RECURSOS REPETITIVOS – SENTENÇA MANTIDA. CONTRARRAZÕES – ALMEJADA A CONDENAÇÃO DA PARTE RECORRENTE NAS PENAS POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – TESE ARREDADA - NÃO DEMONSTRADO O DOLO PROCESSUAL OU INTUITO MALÉVOLO DA RECORRENTE. "Se a parte utiliza os meios disponíveis no direito positivo para a defesa dos seus direitos, não se pode pretender, pelo vigor com que litigam, que exista fundamento para a condenação por litigância de má-fé" (STJ, REsp n. 20.325-4/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 28/02/2000). RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.004339-6, da comarca de Videira (1ª Vara Cível), em que é apelante Comercial de Calçados Brust Ltda., sendo apelado Banco do Estado de Santa Catarina S/A BESC:
A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer em parte do recurso e, nesta, negar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo relator e dele participaram o Exmo. Sr. Des. Jânio de Souza Machado e a Exma. Sra. Desa. Soraya Nunes Lins.
Florianópolis, 31 de maio de 2012.
Cláudio Valdyr Helfenstein
PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO
Comercial de Calçados Brust Ltda. interpôs recurso de apelação cível contra sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Videira, isto nos autos da ação de cobrança ajuizada por Banco do Estado de Santa Catarina S/A BESC.
O autor afirmou ter celebrado com a ré contrato de abertura de crédito em conta corrente – cheque preferencial, relativamente à conta corrente n. 019.183-0, o qual foi prorrogado automaticamente por várias vezes.
Aduziu não ter a empresa ré saldado o débito oriundo das movimentações financeiras realizadas, extrapolando seu limite de crédito.
Requereu, assim, a procedência do pedido inicial formulado, com a condenação da ré ao pagamento de R$ 1.557,94 (mil, quinhentos e cinquenta e sete reais e noventa e quatro centavos), devidamente corrigido de acordo com os encargos contratuais.
Citada, a ré apresentou resposta na forma de contestação (fls. 121/146). Sustentou a existência de relação contratual continuada, a qual estaria sendo objeto de discussão em outras demandas, bem como, a nulidade das cláusulas contratuais, mormente no tocante à cobrança dos encargos incidentes sobre o débito.
Réplica às fls. 176/207.
Sentenciando o feito (fls. 262/267), a ilustre magistrada de primeiro grau manifestou-se, na parte dispositiva, nos seguintes termos:
Outrossim, por tudo que se expôs, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o presente feito, salientando que para a cobrança ou execução dos valores devidos no contrato em questão e revisados conforme sentença prolatada nos autos n 079.98.000666-8 (que tramitou perante a 2ª vara desta comarca) deverá a entidade bancária adequar os cálculos através de planilha pormenorizada, utilizando-se dos parâmetros estabelecido na revisional supra mencionada, procedendo-se a liquidação da sentença conforme decisão proferida naqueles autos. Apurado o saldo a presente sentença valerá como título executivo em favor do credor, seja ela o banco ou os clientes. Assim, os ônus sucumbenciais são distribuídos proporcionalmente, a teor do que dispõe o art. 21, caput, do CPC. Os honorários advocatícios são estipulados em 10%, para o autor e réu, sobre os valores expurgados, conforme a revisão acima determinada e sobre o saldo devedor restante, respectivamente, nos termos do artigo 20, 3º, do CPC, podendo serem compensados, conforme enuncia a Súmula n 306 do Superior Tribunal de Justiça. As despesas processuais são divididas na proporção de 50% para o autor e 50% para o réu. Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Opostos embargos de declaração pelo autor às fls. 270/272, estes foram acolhidos pela decisão de fls. 274/275. Contra esta decisão foram opostos embargos de declaração pelo réu (fls. 278/280), os quais foram rejeitados pela decisão de fl. 283.
Irresignado com a prestação jurisdicional, a empresa demandada apresentou recurso de apelação cível (fls. 286/293), oportunidade em que alegou, em síntese, que a relação jurídica existente entre as partes deve ser analisada desde sua origem, "já que a operação não decorre do contrato em si, mas sim dos lançamentos dos extratos da conta corrente, tratando-se ainda de sucessivas renegociações do contrato" (288).
Destacou que, não obstante a revisão dos encargos incidentes sobre a conta corrente referida nesta demanda já ter sido feita na ação revisional de contrato n. 079.98.00666-8, com sentença transitada em julgado, a questão relativa à ausência de contratação da taxa de juros e sua imposição unilateral não teria sido analisada naquela demanda, a possibilitar a manifestação jurisdicional neste processo.
Teceu considerações acerca da ordem econômica constitucional e da função social do contrato.
Afirmou não ser possível a cobrança dos juros remuneratórios na forma almejada pela casa bancária, porquanto não informada a respectiva taxa, a qual foi imposta unilateralmente, o que violaria o dever de informação prévia e justificaria sua limitação em 12% (doze por cento) ao ano ou na taxa média de mercado divulgado pelo Bacen.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso, com a reforma da sentença, a fim de que seja aplicada a limitação dos juros remuneratórios a todo o período da contratualidade, vedada, por outro lado, a compensação da verba honorária.
Foram apresentadas contrarrazões às fls. 297/305, oportunidade em que postulada a condenação da recorrente nas penalidades por litigância de má-fé.
Ascenderam os autos a esta eg. Corte de Justiça.
É o relatório.
VOTO
1 – Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido, em parte.
Da limitação dos juros remuneratórios:
Sustentou a apelante, em síntese, não ser possível a cobrança dos juros remuneratórios na forma almejada pela casa bancária, porquanto não informada a respectiva taxa, a qual foi imposta unilateralmente, o que violaria o dever de informação prévia e justificaria sua limitação em 12% (doze por cento) ao ano ou na taxa média de mercado divulgado pelo Bacen.
Destacou, ainda, que não obstante o trânsito em julgado da sentença proferida na ação de revisão contratual n. 079.98.00066-8, possível a análise da questão atinente à ausência de indicação da taxa de juros e sua imposição unilateral, pois se tratam de teses não apreciadas e julgadas naquele feito.
O apelo não pode ser conhecido no ponto.
Com efeito, analisando-se os fatos e provas colacionadas aos autos, conclui-se que a empresa ora apelante ingressou com as ações de consignação em pagamento n. 079.98.000089-9, cautelar inominada n. 079.98.000087-2 e de revisão de contrato n. 079.98.000666-8, em face do ora apelado, tendo por objeto, inclusive, o mesmo contrato em discussão neste feito.
Sentenciando os feitos supra referidos, conjuntamente, o nobre magistrado singular manifestou-se, na parte dispositiva, nos seguintes termos:
ACOLHO EM PARTE o pleito veiculado através da ação ordinária revisional, para o fim de: a – quanto ao contrato n. 97/050: - afastar a capitalização mensal de juros, devendo ocorrer anualmente e na data do vencimento do contrato; - substituir a TR pelo INPC; - reduzir a multa, de 10% para 2%; - declarar nula cláusula que prevê comissão de permanência, em sua parte final, de acordo com a taxa de mercado. b – quanto ao contrato de crédito em conta corrente, c/c n. 19.183-0: - afastar a capitalização mensal de juros, para que ocorra anualmente, a partir de 10.10.95, até que o contrato viger. Os valores cobrados indevidamente sofrerão os mesmos encargos para compensação com eventual débito em conta corrente ou incidem os encargos do contrato n. 97/050, para compensação com o saldo devedor deste.
[...]
JULGO IMPROCEDENTE o pleito da ação de consignação em pagamento.
[...]
JULGO PROCEDENTE o pedido da ação cautelar apensa [...]. (fl. 227)
Importante ressaltar que, consoante relatório da sentença acima, a parte ora recorrente, naquelas demandas, apresentou irresignação específica quanto aos juros remuneratórios, suscitando as mesmas teses ora ventiladas neste recurso, consoante abaixo transcrito:
"COMERCIAL DE CALÇADOS BRUST LTDA promove AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO DE CONTRATOS contra BANCO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, ao fundamento de que é correntista junto ao banco réu há vários anos, tendo celebrado vários contratos, todos destinados a cobrir saldo devedor em conta corrente. Não foi definida a taxa de juros do contrato de cheque empresarial comercial, sendo o encargo calculado unilateralmente, de forma abusiva"(fls. 223) (grifou-se)
Irresignada com a prestação jurisdicional naqueles feitos, a demandante, ora recorrente nestes autos, interpôs recurso de apelação cível, ao qual foi dado provimento parcial, a fim de afastar o anatocismo, limitar os juros na base de 12% ao ano, em relação a todo o período de contratação, conferindo-se procedência parcial à ação de consignação em pagamento relativamente aos valores depositados.
Colhe-se da ementa do citado julgado:
CONTRATO BANCÁRIO. REVISÃO E CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. SENTENÇA PROLATADA INDEPENDENTEMENTE DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. CODECON. CONSIGNATÓRIA. HIPÓTESE DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. NOVAÇÃO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO ADESIVO. NULIDADE INEXISTENTE. JUROS. LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL. AUTO-APLICABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DA IMPOSIÇÃO. TR COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO DO DÉBITO. NÃO UTILIZAÇÃO NO CASO. MULTA CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DO ART. 924 DO CC.PROVIMENTO PARCIAL DO APELO DA AUTORA. RECURSO ADESIVO DESACOLHIDO.
- Versando os autos sobre matéria essencialmente jurídica, o que torna irrelevante a produção de provas outras que não aquelas já produzidas com a inicial e com a peça de resistência, o equacionamento de plano do litigio, com erradicação da etapa de dilação probatória, não gera cerceamento de defesa.
- Contratos bancários de concessão de crédito firmados com empresas comerciais não se submetem à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, posto que, em tal hipótese, a própria atividade a que se dedica a tomadora do empréstimo está a indicar que os valores obtidos destinam-se a serem canalizados à atividade produtiva, não enquadrável a obrigada, assim, no conceito específico de consumidor final. E a destinação da proteção concedida pelo Diploma Protetivo em referência é, com exclusividade, o consumidor final e não o intermediário.
- Nas ações consignatórias em pagamento, consignada a primeira parcela vencida ou prestes a vencer-se, a lei processual civil contempla o consignante com a faculdade de depositar em juízo e nos mesmos autos as parcelas do débito que forem se vencendo no curso da lide. Se esses depósitos não são feitos, ou se são mal feitos ou extemporaneamente feitos, a solução adequada não é, em absoluto, a improcedência integral da ação, mas sim a sua procedência parcial, consideradas quitadas e extinta a obrigação no pertinente às parcelas correta e tempestivamente consignadas.
- Nos aditivos contratuais de retificação e ratificação, a intenção das partes tende apenas à alteração ou modificação do valor da obrigação, incorporando ao valor do débito primitivo os acessórios vencidos, com a fixação de novo prazo para o pagamento da totalidade da obrigação. Tal não implica em novação, já que, mercê da nova avença, inexiste extinção da obrigação originária, senão apenas a incorporação a ela de acessórios não pagos.
- Ainda que determinado contrato possa revelar um pacto de adesão isto apenas e por si só não o nulifica. O que há que considerar o julgador, nessas hipóteses, é que tratando-se de cláusulas às quais simplesmente aderiu a parte economicamente mais desprotegida, devem ser elas analisadas sob a ótica legal, expurgadas aquelas que não traduzam fidelidade com as normas inseridas, acerca delas, no ordenamento jurídico pátrio.
- A norma do art. 192, § 3º, da Carta Magna, limitando a taxa máxima de juros no patamar ânuo de 12% é de incidência imediata, aplicando-se a todos os contratos em vigor. Não há razão de nenhuma ordem para que se insista na indispensabilidade da edição de lei ordinária que regulamente a questionada disposição, posto que, naquilo que lhe constitui a essência, ou seja, a limitação dos juros, já contém ela o elemento basilar do qual não poderá se afastar o legislador ordinário.
- A capitalização de juros, em se tratando de contratos comuns de mútuo bancário, incide na prática do anatocismo vedado em lei. Essa capitalização somente é admissível, no direito pátrio, nas excepcionais hipóteses para as quais exista previsão legal específica, tal como ocorre em relação aos créditos rurais, comerciais e industriais.
-A discussão recursal acerca da possibilidade ou não da utilização da Taxa Residencial como fator de atualização do débito mostra-se despicienda quando o contrato firmado prevê índice diverso para a indexação do débito, o que exclui, de pronto, a possibilidade de aplicação do fator atacado.
- Conquanto defensável a tese da inaplicação do CODECON aos contratos de mútuo bancário, se a autora do pleito revisório satisfez parte do débito contraído o nosso Código Civil, em seu art. 924, faculta ao julgador reduzir proporcionalmente a multa prefixada para a hipótese de inadimplência contratual. Há que se entender, nessa hipótese, que a globalidade da multa é aplicável no caso de inadimplência total, razão pela qual legitima-se a redução proporcional dessa multa, quando parte da obrigação foi adimplida. (Apelação Cível n. 1999.002322-2, de Videira, Rel. Des. Trindade dos Santos)
Ora, analisando-se o resultado final da aludida ação de revisão contratual, que englobou o contrato n. 019.183-0, objeto da presente ação de cobrança, e, verificando-se que o magistrado a quo, na sentença objeto desse recurso, reconheceu a ocorrência de coisa julgada e determinou a incidência daqueles parâmetros ao caso desses autos, chega-se à segura conclusão de que a apelante carece de interesse recusal em ver reanalisada a temática.
Ressalte-se, corroborando com o decidido na ação revisional e em respeito aos efeitos da coisa julgada, o ilustre sentenciante da presente ação de cobrança determinou "que para a cobrança ou execução dos valores devidos no contrato em questão e revisados conforme sentença prolatada nos autos n. 079.98.000666-8 (que tramitou perante a 2ª vara desta comarca) deverá a entidade bancária adequar os cálculos através de planilha pormenorizada, utilizando-se dos parâmetros estabelecidos na revisional supra mencionada, procedendo-se a liquidação da sentença conforme decisão proferida naqueles autos." (fl. 267)
Pertinente esclarecer que, muito embora o referido decisum imponha observância aos termos da sentença proferida na ação revisional, deve-se observar o teor do julgamento proferido na apelação cível n. 1999.002322-2, através do qual foi parcialmente reformada a decisão proferida no feito revisional, com a limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano, para todo o período da contratualidade, conforme postulado pela apelante.
Assim, forçoso reconhecer a ausência de interesse recursal quanto à matéria em debate, uma vez que o almejado pela recorrente já lhe foi concedido no primeiro grau de jurisdição quando o togado observou a existência de coisa julgada material e determinou a aplicação, na presente ação de cobrança, dos critérios já definidos na outra demanda (revisional).
Sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart asseveram:
A fim de que possa o interessado socorrer-se do recurso, é fundamental que possa antever algum interesse na utilização deste caminho. À semelhança do que acontece com o interesse de agir (condição da ação), que engloba a adequação da via eleita (traduzida, em termos de recursos, pela noção de cabimento, como visto), é necessário que o interessado possa vislumbrar alguma utilidade na veiculação do recurso, utilidade esta que somente possa ser obtida através da via recursal (necessidade). (Manual do processo de conhecimento, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 525).
No mesmo sentido, este eg. Tribunal de Justiça já decidiu:
[...] Quando o apelante já obteve na sentença a sua pretensão, lhe carece o interesse recursal, uma vez que, conforme leciona Nelson Nery Júnior, 'deve o recorrente ter necessidade de interpor o recurso, como único meio para obter, naquele processo, o que pretende contra a decisão impugnada'. O interesse em recorrer é requisito intrínseco de admissibilidade do recurso, sendo que, na sua falta, torna-se impossível a análise dos fundamentos do apelo. (Apelação Cível n. 2007.007226-0. Rel. Des. Anselmo Cerello, j. em 24.05.07).
Portanto, não se conhece do recurso no ponto.
De qualquer sorte, ainda que não fosse o caso de reconhecer a falta de interesse de agir em sede recursal, a questão atinente a limitação dos juros remuneratórios não poderia ser apreciada nesta demanda, consoante bem relatado na sentença recorrida, dada a ocorrência de coisa julgada material.
À hipótese, aplica-se a norma constante no art. 467 do CPC, que preceitua: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário."
Sobre esse dispositivo, extrai-se do Código de Processo Civil anotado de Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa e Guilherme Bondioli:
'A eficácia da coisa julgada material (CPC, art. 467) não se limita a impedir a renovação de demanda idêntica à anterior (CPC, art. 301, § 3º), mas, fundamentalmente, impede que o desfecho do segundo processo entre as mesmas pares contradiga o resultado prático do primeiro'. (RJTJERGS 254/173; acórdão relatado pelo Des. Araken de Assis). [In: NEGRÃO, Theotônio (et. al.). Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 522]. (grifei)
Oportuna a doutrina de Arruda Alvim:
Certamente, tendo sido movida ação condenatória quando já existente sentença declaratória, tal sentença declaratória projetava-se na ulterior sentença condenatória, com sua força de coisa julgada material, no que tange à declaração do direito; por outras palavras, o resultado da sentença condenatória já estava prefixado ('prejulgado') na anterior sentença declaratória. Apenas, não tendo tido a ação declaratória o fim de obter a sanção - e nem mesmo isto seria viável em seu âmbito -, a sentença respectiva não teria podido, por essa razão, acrescentar à anterior declaração positiva, sobre a qual já pesa a autoridade da coisa julgada, a respectiva sanção; nada mais. (ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil: processo de conhecimento. 10. ed. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 571)
Desta feita, no caso em específico, permitir que se possa revisar o contrato objeto da lide seria uma afronta ao próprio Poder Judiciário.
Sobre a matéria, colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:
EMBARGOS À EXECUÇÃO - CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA - ANTERIOR PROPOSITURA DE AÇÃO REVISIONAL - FIXAÇÃO DOS CRITÉRIOS PARA APURAÇÃO DO DÉBITO ESTABELECIDOS - IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA DECISÃO COBERTA PELO MANTO DA COISA JULGADA MATERIAL - ADEQUAÇÃO DOS ENCARGOS CONFORME DEFINIDO NAS DECISÕES TRANSITADAS EM JULGADO - EMBARGOS REJEITADOS.
"A imutabilidade da sentença e de seus efeitos é um dos mais importantes pesos responsáveis pelo equilíbrio entre exigências opostas, inerente a todo sistema processual: (...), implica pôr um ponto final nos debates e nas dúvidas, oferecendo a solução final destinada a eliminar o conflito ou, ao menos, a extinguir os vínculos inerentes à relação processual." (Cândido Rangel Dinamarco).
Significa isso que, enfrentando-se revisão dos mesmos encargos em ação revisional e ação de cobrança, os parâmetros fixados em sentença, apelação e no recurso especial anteriores em um dos feitos, prevalecem em relação ao outro, frente aos efeitos da coisa julgada. (Apelação Cível n. 2003.011517-0, de Joinville. Relator: Des. Paulo Roberto Camargo Costa. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial. Data Decisão: 12/03/2009). (grifei)
No mesmo vértice:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. MATÉRIAS DISCUTIDAS JÁ DECIDIDAS EM AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO ABRANGENDO O MESMO OBJETO. TRÂNSITO EM JULGADO DA MENCIONADA DECISÃO. OCORRÊNCIA DA COISA JULGADA MATERIAL. RECURSO NÃO CONHECIDO.
Observada a identidade de partes, de objeto e de causa de pedir entre ação revisional de contrato bancário e embargos à execução, e já tendo sido prolatado acórdão transitado em julgado na primeira, operada está a coisa julgada material no tocante aos embagos. Logo, não se pode conhecer das matérias suscitadas em sede recursal. (Apelação Cível n. 2007.000127-8, de Armazém, Rel. Des. Stanley da Silva Braga, j. em 13.4.11)
E, da minha lavra:
EMBARGOS DO DEVEDOR - CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - INSURGÊNCIA RECURSAL DE AMBAS AS PARTES.
[...]
EMBARGOS EM QUE FORAM VENTILADAS TESES JÁ APRECIADAS EM ANTERIOR AÇÃO REVISIONAL/DECLARATÓRIA, COM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO - CONFIGURADA A COISA JULGADA MATERIAL QUANTO À LEGALIDADE OU NÃO DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, DA CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS E DA INCIDÊNCIA DA TR COMO FATOR DE CORREÇÃO, DENTRE OUTROS TEMAS JÁ ANALISADOS- EXEGESE DO ARTIGO 467, DO CPC - ANÁLISE PASSÍVEL DE OCORRER EX OFFÍCIO, ISTO POR SE TRATAR DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - EXTINÇÃO PARCIAL DOS EMBARGOS, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - APLICAÇÃO DO ARTIGO 267, INCISO V, E § 3º, DO CPC, RESTANDO PREJUDICADA A ANÁLISE DAS RAZÕES RECURSAIS SOBRE AS QUESTÕES JÁ DECIDIDAS EM SEDE DE REVISIONAL - CONTINUIDADE DO FEITO EXECUTIVO COM A NECESSÁRIA READEQUAÇÃO DO SALDO DEVEDOR.
"Improsperável se afigura eventual discussão de matéria já acobertada pelo manto da coisa julgada, enquanto não rescindida a sentença respectiva. Assim, transitada em julgado em grau recursal uma ação, a apelação da demanda a ela conexa não poderá analisar os temas idênticos abordados, sob pena de afronta à coisa julgada" (AC. n. 2001.020443-6, de Tubarão, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, DJ de 15-10-03).
"Exame de ofício. Como são matérias de ordem pública, as causas de incisos IV (pressupostos processuais), V (coisa julgada, litispendência e perempção), VI (condições da ação) podem ser alegadas a qualquer tempo e grau de jurisdição, porque não acobertadas pela preclusão, e devem ser examinadas de ofício pelo juiz ou tribunal" (JÚNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. até 01.10.2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 505). (Apelação Cível n. 2001.000970-1, de Sombrio, j. em 20.4.11)
Assim, em razão do julgamento definitivo da ação revisional, a matéria controvertida já foi apreciada por decisão não mais sujeita a recurso, tendo sido atingida, destarte, pelos efeitos da coisa julgada material, frise-se.
Ademais, consoante já referido, o relatório da sentença que julgou a ação revisional deixa absolutamente visível que as teses relativas à ausência de taxa de juros e sua imposição unilateral também foram lá ventiladas. De qualquer sorte, "passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido." (art. 474 do CPC)
A respeito, esclarece Cândido Rangel Dinamarco:
A imutabilidade da sentença e de seus efeitos é um dos mais importantes pesos responsáveis pelo equilíbrio entre exigências opostas, inerente a todo sistema processual: enquanto a garantia do contraditório, o direito à prova, os recursos etc., propiciam o aprimoramento da qualidade dos julgamentos mediante a refletida ponderação do juiz em torno da pretensão e dos pontos duvidosos que as envolvem (Calamandrei), a imutabilidade implica pôr um ponto final nos debates e nas dúvidas, oferecendo a solução final destinada a eliminar o conflito ou, ao menos, a extinguir os vínculos inerentes à relação processual. (Instituições de direito processual civil. v. III, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 296-297).
Nesse sentido, salientam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
Transitada a sentença de mérito, as partes ficam impossibilitadas de alegar qualquer outra questão relacionada com a lide sobre a qual pesa a autoridade da coisa julgada. A norma reputa repelidas todas as alegações que as partes poderiam ter feito na petição inicial e na contestação a respeito da lide e não o fizeram. Isso quer significar que não de admite a propositura de nova demanda para rediscutir a lide, com base em novas alegações. A esse fenômeno dá-se o nome de eficácia preclusiva da coisa julgada. (Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 810)
Enfim, se não bastasse a ausência de interesse recursal da apelante, inviável a análise da pretensão deduzida no presente recurso, pois acobertada pelo manto da coisa julgada material.
Da compensação da verba honorária:
Sustentou a apelante a impossibilidade de compensação de honorários advocatícios. Na sentença objurgada, admitiu-se esta possibilidade (fls. 267).
Sem razão a recorrente.
Isto porque a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em julgado submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC (o qual regulamenta o julgamento dos recursos repetitivos), confirmou o entendimento contido na Súmula 306, que estabelece: "Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte".
Tal decisão teve por base o argumento de que o art. 23 do EOAB não impede a aplicação do art. 21 do Código de Processo Civil, sendo perfeitamente possível a incidência conjunta dos dispositivos supra, os quais asseguram ao advogado, no caso de sucumbência recíproca, a titularidade sobre a verba honorária que remanescer da compensação.
A ementa do julgado do eg. STJ segue transcrita:
REPETITIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚM. N. 306-STJ.
A Corte Especial, ao apreciar REsp submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Res. n. 8/2008-STJ, reiterou o entendimento cristalizado na Súm. n. 306-STJ. A Lei n. 8.906/1994 assegura ao advogado a titularidade da verba honorária incluída na condenação, sendo certo que a previsão de compensação dos honorários na hipótese de sucumbência recíproca, contida no CPC, não colide com a referida norma do Estatuto da Advocacia, essa é a ratio essendi da Súm. n. 306-STJ. O art. 23 da Lei n. 8.906/1994 não revogou o art. 21 do CPC. Em havendo sucumbência recíproca e saldo em favor de uma das partes, é assegurado o direito autônomo do advogado de executar o saldo da verba advocatícia do qual o seu cliente é beneficiário. Precedentes citados: AgRg no REsp 620.264-SC, DJe 26/10/2009; REsp 1.114.799-SC, DJe 28/10/2009; REsp 916.447-RS, DJe 29/9/2008; AgRg no REsp 1.000.796-BA, DJe 13/10/2008; AgRg no REsp RS, DJ 31/3/2003 (REsp 963.528-PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2/12/2009) (Grifei).
Sobre o tema, essa Corte de Justiça já se manifestou:
'A compensação da verba honorária a ser paga pelas partes, em face da sucumbência recíproca (art. 21 do CPC), não colide com os preceitos dos arts. 22 e 23 da Lei n. 8.906/94. Jurisprudência uniformizada no âmbito da 2ª Seção' (Grifei) (REsp n. 155.135/MG, Rel. Min. Nilson Naves, DJU de 08.10.2001) (TJSC – AC n. 2009.031291-9, da Capital / Estreito, Rel. Des. Cid Goulart, julgada em 2-9-2009).
Ainda:
TRIBUTÁRIO. ISS. LOCAÇÃO DE FITAS DE VÍDEO E DVD. INEXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. TRIBUTO INDIRETO. AUSÊNCIA DE PROVA DE NÃO TER HAVIDO A TRANSFERÊNCIA DO ENCARGO. DESCABIMENTO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 306, DO STJ.
3. 'Não há incompatibilidade entre os arts. 21 do CPC e 23 da Lei 8.906/94, vez que a titularidade dos honorários não é afetada ante a possibilidade de compensação' (REsp nº 916.447) (Grifei) (TJSC - AC n. 2007.021299-8, de Chapecó, Rel. Des. Newton Janke, julgada em 18-8-2009).
Desta eg. Quinta Câmara de Direito Comercial:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO C/C ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA.
HONORÁRIOS FIXADOS MODICAMENTE DE FORMA A NÃO REMUNERAR CONDIGNAMENTE O TRABALHO DESENVOLVIDO PELO CAUSÍDICO. READEQUAÇÃO DEVIDA. INTELIGÊNCIA DO ART. 20, § 3º E § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ADMITIDA, ENTRETANTO, A COMPENSAÇÃO (SÚMULA 306 DO STJ).
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação Cível n. 2011.087135-5, da Capital / Estreito. Relator: Des. Soraya Nunes Lins, j. em 15.3.2012)
Desta forma, de acordo com o entendimento explicitado pelo eg. Superior Tribunal de Justiça no decisum antes transcrito, admite-se a compensação dos honorários advocatícios no presente caso, uma vez evidenciada a sucumbência recíproca.
Contrarrazões
Pugna a casa bancária pela condenação da recorrente nas penas por litigância de má-fé, uma vez que a lide seria temerária ou, pelo menos, estaria próximo disto (fls. 334).
Em que pese o articulado, inviável o acolhimento da tese.
Na linha de pensamento de Pontes de Miranda, "Presume-se de boa-fé quem vai litigar, ou está litigando, ou litigou. Tal presunção somente pode ser elidida in casu e quando haja má-fé, propriamente dita; a apreciação do exercício abusivo do direito tem que partir daí" (in Comentários ao código de processo civil, Forense, 1973, tomo I, p. 385).
Ainda, do c. Superior Tribunal de Justiça:
Se a parte utiliza os meios disponíveis no direito positivo para a defesa dos seus direitos, não se pode pretender, pelo vigor com que litigam, que exista fundamento para a condenação por litigância de má-fé. (STJ, REsp n. 20.325-4/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 28/02/2000).
Ademais, para a aplicação das sanções inerentes, "é necessário comprovar que a parte tenha se utilizado de meios inidôneos ou imorais durante o transcurso do feito, buscando tumultuar a lide ou ludibriar o julgador. A interposição de recursos para discutir matéria controversa não pode ser encarada como objetivo manifestamente protelatório" (ap. cível n.º 2006.039828-8, de Blumenau, Primeira Câmara de Direito Comercial, rel. Des. Anselmo Cerello, j. em 12.04.07).
Assim, afasta-se a pretensão.
2 - Ante o exposto, voto no sentido de conhecer em parte do recurso e, nesta, negar-lhe provimento.
Este é o voto.