Vale destacar, desde já, que a simples inexistência de um dos requisitos acima indicados não vicia o ato da citação se não houver a demonstração do efetivo prejuízo. Trata-se de aplicação máxima do princípio manifesto na expressão francesa pás de nullité sans grief segundo o qual não se declara a nulidade de um ato sem antes provar o dano. Também o princípio da instrumentalidade das formas impõe que se evitem formalismos exacerbados, determinando o aproveitamento de atos processuais, ainda que praticados por forma diversa da instituída em lei. Segundo Ovídio A. Baptista da Silva, o princípio da instrumentalidade das formas é aquele "segundo o qual, mesmo que a lei estabeleça determinada forma, sem a cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo alcançar ele a finalidade a que destinava"[Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 5ª ed. Vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 204]. Aliás, oportuna é a lição trazida por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que afirmam: "1. Requisitos do mandado. A norma especifica os requisitos essenciais do mandado de citação. Caso a falta de algum deles cause dificuldade ou impossibilidade de defesa do réu, haverá nulidade"[Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 479].
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Apelação Cível n. 2007.026918-6/0000-00, de Campo Grande.
Relator: Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.
Data da decisão: 15.12.2008.
Terceira Turma Cível
Apelação Cível - Lei Especial - N. 2007.026918-6/0000-00 - Campo Grande.
Relator - Exmo. Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.
Apelante - Francisco Carlos da Silva Moreira.
Advogado - Alfeu Coelho Pereira Júnior.
Apelante - Franklin Rodrigues Masruha.
Advogado - Algacyr Torres Pissini Neto.
Apelantes - Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do
Pantanal - UNIDERP e outro.
Advogados - Ana Paula Iung de Lima e outro.
Apelado - Armando Barros Olivo.
Advogado - Armando Barros Olivo.
Apelados - Lino Gonçalves e outros.
Advogado - Luiz Carlos Saldanha Rodrigues Júnior.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO POPULAR - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA CITAÇÃO POR AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO NOME DO CITANDO - ARTIGO 225 DO CPC - VÍCIO NO MANDADO CITATÓRIO QUE DEPENDE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO DO CITANDO - CITAÇÃO QUE ATINGIU SUA FINALIDADE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF - APROVEITAMENTO DO ATO PROCESSUAL - INEXISTÊNCIA DE NULIDADE A SER DECLARADA - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Para a efetivação da citação pessoal, o diploma processualista relacionou alguns elementos que devem constar do mandado citatório, os quais estão indicados no artigo 225 do CPC. 2. A simples inexistência de um dos requisitos indicados na lei não vicia o ato da citação se não houver a demonstração do efetivo prejuízo, notadamente em razão do princípio da instrumentalidade das formas e do pas de nullité sans grief. 3. Recurso conhecido e não provido. DOS RECURSOS MANEJADOS PELOS REQUERIDOS FRANCISCO CARLOS DA SILVA MOREIRA, UNIDERP E PEDRO CHAVES DOS SANTOS. APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO POPULAR - PRELIMINARES - NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECISUM - DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA - SENTEÇA ULTRA PETITA - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - AUSÊNCIA DE INÉRCIA DOS AUTORES - PREFACIAIS AFASTADAS - MÉRITO - CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO COM INSTITUIÇÃO DE ENSINO PARTICULAR SEM PRÉVIA LICITAÇÃO - CARACTERIZAÇÃO DE HIPÓTESE DE DISPENSA DO CERTAME - INEXISTÊNCIA DE OFENSA À LEGALIDADE OU À MORALIDADE - SENTENÇA REFORMADA - RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS. 1. Não há falar em cerceamento do direito de defesa se o juiz julga antecipadamente a lide por entender que a matéria é eminentemente de direito. 2. O ordenamento jurídico não exige uma fundamentação exaustiva, sendo necessário apenas que a explicitação dos motivos da decisão possibilite o conhecimento dos raciocínios realizados pelo juiz para viabilizar o eficiente manejo dos recursos. 3. Não há falar em nulidade da sentença, por julgamento extra petita, se o magistrado se ateve às pretensões formuladas na petição inicial, inexistindo julgamento fora do pedido. 4. O reconhecimento da prescrição intercorrente só é possível quando restar evidenciada a inércia da parte que ajuizou o processo, devendo existir, portanto, um processo judicial negligentemente paralisado. 5. Dentre os requisitos ou pressupostos para a propositura da ação popular está a condição de cidadão do autor, a existência de ilegalidade ou imoralidade e de lesividade, ou seja, deve haver um ato ilegal ou imoral que tenha causado dano ao patrimônio público. 6. A legalidade do ato administrativo significa uma dependência aos valores essenciais de uma sociedade, máxime o decorrente da própria necessidade de preservação, que é a supremacia do interesse público, razão pela qual a Administração precisa agir de acordo com os legítimos valores sociais que, enfim, regulam a sua própria gênese. 7. A moralidade, a legalidade e a finalidade do ato administrativo constituem pressuposto de validade do ato sem os quais a atividade pública será ilegítima. 8. Poderá haver a dispensa de licitação nas situações taxativamente arroladas no artigo 24 da Lei n. 8.666/93, abrangendo as hipóteses em que, embora exista viabilidade jurídica de competição, a lei autoriza a celebração direta do contrato ou mesmo determina a não realização do procedimento licitatório. 9. Compete exclusivamente ao Administrador Público o poder e a discricionariedade para eleger o comportamento a ser adotado diante do caso concreto, segundo os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, devendo-se ressaltar que a declaração de dispensa de licitação é ato inerente à atividade administrativa e exclusiva do poder contratante. 10. Se o convênio celebrado sem licitação atendeu ao princípio da eficiência do serviço público, com a observância dos aspectos da produtividade, economicidade, qualidade, celeridade e presteza, deve ser confirmada a validade da contratação. 11. Recursos conhecidos e providos.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, conhecer e improver o recurso de Franklin Rodrigues Masruha: conforme o parecer. Recurso de Francisco Carlos da Silva Moreira e outros: conheceram e deram provimento ao recurso nos termos do voto do relator e contra o parecer. Decisão unânime.
Campo Grande, 15 de dezembro de 2008.
Des. Oswaldo Rodrigues de Melo - Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo
Francisco Carlos da Silva Moreira, irresignado com a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação popular ajuizada por Lino Gonçalves, Érico Bitencourt de Albuquerque, Jonas Domingos do Nascimento, Sebastião Garcia de Lima, Gerôncio Carlos da Silva, Armando Barros Olivo e Isoli Paulo Fontoura, em face do primeiro e do Estado de Mato Grosso do Sul, do Secretário de Segurança Pública, da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - Uniderp, e do Reitor Pedro Chaves Dos Santos, interpõe apelação, objetivando a sua reforma.
No apelo de f. 663-675, o requerido alega a preliminar de nulidade da sentença por sete fundamentos, quais sejam:
1) cerceamento do direito de defesa, já que não foi oportunizada a produção das provas pleiteadas;
2) incoerência na prestação jurisdicional, considerando que "se fosse verdade que no dito convênio pairava ilegalidade e lesividade, a decisão recorrida teria reflexo inevitável na vida de dezenas de oficiais, que sem nenhuma participação no ato administrativo atacado (convênio nº 001/99), sofreria irreparável prejuízo na sua vida funcional e pecuniária, sendo rebaixado no posto, após ter decorrido vários anos sem que o Poder Judiciário se manifestasse sobre o assunto. Ainda, é de se ressaltar que a sentença objurgada, anula o convenio às fls. 99/102, e não aos demais subseqüentes contratos (documento ora entranhados), constituindo-se tal edito em inegável contradição" (f. 665);
3) impossibilidade de o Poder Judiciário adentrar na análise do mérito do ato administrativo discricionário;
4) impossibilidade de transformação do réu em autor, notadamente por ter havido determinação de "que os autores emendassem a inicial, para incluir no pólo passivo da ação, o Estado de Mato Grosso do sul, fato este que cominou ás fls. 52/53 com a emenda ao pedido vestibular, feita pelos Autores, para incluir no pólo passivo da ação, o Estado" (f. 667).
5) ausência de fundamentação, considerando que se lastreou em fundamentos inconsistentes, divorciados das provas dos autos e sem calço legal;
6) falta de objetividade jurídica, uma vez que o ato administrativo desconstituído pelo julgador monocrático perdeu sua eficácia pelo total cumprimento ocorrido em dezembro de 1999;
7) julgamento extra petita, uma vez que "a ação fora proposta contra o Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul e não de forma específica, contra o Apelante, Francisco Carlos da Silva Moreira" (f. 670).
Ainda em preliminar, argüi a prescrição do direito de ação, já que a citação do Comandante-Geral da Polícia Militar foi efetivada em 22 de dezembro de 1999, oportunidade na qual reiniciou o prazo contido no artigo 21 da Lei n. 4.717/65, findando-se em dezembro de 2004.
No mérito, argumenta que no período em que foi Comandante-Geral da Polícia Militar solicitou parecer da Procuradoria-Geral do Estado sobre a viabilidade de contratação de universidade particular para ministrar o curso de oficiais superiores da polícia militar, obtendo manifestação favorável.
Relata que "foi dado início oficialmente às diligências juntos aos Estabelecimentos de Ensino nesta Capital, quando ao interesse na implantação e realização do curso superior de polícia, fato este, que somente restou frutífero o interesse da UNIDERP. Ainda é de se ressaltar que a UNIDERP, se propôs a implantar o curso e ministrá-lo por um décimo do valor (R$ 19.493,30 - fls. 101 - item 7.1) do que gastaria em outro Estado, em igual formação e curso, com o deslocamento dos oficiais para outra Unidade da Federal (Fortaleza R$ 386.593,00 e São Paulo R$ 289.484,00 - fls. 79)" (f. 672).
Indica que a realização de licitação para a contratação da Uniderp seria inócua, visto que além de ter sido dispensada no parecer emitido pela Procuradoria-Geral do Estado, nenhuma outra universidade manifestou interesse em implantar e ministrar o curso.
Alega que a dispensa da licitação ocorreu justamente porque somente a Uniderp demonstrou interesse no curso, e que se este fosse ministrado em São Paulo ou em Fortaleza seria necessário o dispêndio de importância imensamente maior.
Ressalta que os §§ 1º e 2º do artigo 19 da Lei Estadual n. 254/81 autorizam o Comandante-Geral da Polícia Militar a firmar o convênio em questão, restando evidenciada a inexistência de lesão ao erário.
Remata pugnando pelo conhecimento e provimento do recurso para acolher as preliminares, tornando insubsistente a sentença recorrida. No mérito, pugna pela reforma da sentença recorrida, com o julgamento improcedente dos pedidos iniciais.
Também recorreu o requerido, Franklin Rodrigues Masruha (f. 701-708), alegando, em preliminar, a nulidade da sentença por ausência de citação, considerando que o mandado citatório foi dirigido ao Secretário de Segurança Pública e não ao próprio recorrente, ferindo a regra disposta no inciso I do artigo 225 do CPC.
Enfatiza que "a revelia do apelante potencializa e torna ainda mais grave a nulidade da citação. Alguns autores entendem que nesse caso, diante da revelia, a citação inclusive deixa de ser nula para se tornar inexistente. Ora, o principal efeito do ato citatório é dar conhecimento da ação com suas particularidades e especificações, e esse defeito somente seria escusável pelo comparecimento espontâneo do apelante" (f. 703).
Menciona que é ônus do autor indicar corretamente as partes passivas da ação, e que deve, no mandado citatório, conter expressa e corretamente o nome do réu.
Remata pugnando pelo conhecimento e provimento do recurso para acolher a preliminar de nulidade da sentença e do processo, determinando-se a repetição da citação e demais atos subseqüentes do processo.
Ainda recorreram os requeridos Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - Uniderp e Pedro Chaves dos Santos (f. 716-728), alegando que o magistrado sentenciante, ao concluir pela responsabilização direta da Uniderp, deixou de sopesar determinadas circunstâncias, como a efetiva prestação do serviço, objeto do convênio, e a existência de prévio procedimento administrativo destinado à sua aprovação.
Destacam que "os atos praticados pelo Estado de Mato Grosso do Sul com vistas a firmar o convênio com os ora Apelantes tinham APARÊNCIA DE ATOS VÁLIDOS" (f. 722), sendo equivocado o entendimento de que os recorrentes teriam praticado conduta contrária ao ordenamento jurídico.
Entendem não ser possível admitir que tenham que ser responsabilizados por eventuais atos falhos e nulos praticados pelo Estado, notadamente considerando que cumpriram o objeto do convênio.
Relatam que o Comandante-Geral da Polícia Militar e o Secretário de Segurança Pública da época dos fatos devem ser solidariamente responsabilizados pelo ato acoimado de nulidade.
Por fim, pedem o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a sentença recorrida com o julgamento improcedente dos pedidos iniciais ou para haver a condenação solidária do Comandante-Geral da Polícia Militar (Francisco Carlos da Silva Moreira) e do Secretário de Segurança Pública (Franklin Rodrigues Masruha).
Intimados (f. 732-v.), os autores deixaram de apresentar contra-razões (f. 733).
Em parecer, o membro do parquet, em primeira instância (f. 737-794) opinou pelo não-provimento dos recursos manejados por Franklin Rodrigues Masruha, pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - Uniderp e Por Pedro Chaves dos Santos e pelo parcial provimento do recurso de Francisco Carlos da Silva Moreira a fim de adequar a decisão a quo "apenas no tocante à equivocada inclusão do Estado no pólo passivo" (f. 794).
A Procuradoria-Geral de Justiça (f. 801-843) opina pelo conhecimento e não-provimento dos recursos.
VOTO(EM 1º.12.2008)
O Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo (Relator)
Consoante relatado, trata-se de três recursos de apelação manejados por Francisco Carlos da Silva Moreira, Franklin Rodrigues Masruha, Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - Uniderp e Pedro Chaves dos Santos, contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação popular que Lino Gonçalves, Érico Bitencourt de Albuquerque, Jonas Domingos do Nascimento, Sebastião Garcia de Lima, Gerôncio Carlos da Silva, Armando Barros Olivo e Isoli Paulo Fontoura propuseram em face daqueles e do Estado De Mato Grosso do Sul.
Para a melhor compreensão das controvérsias, passo à análise dos recursos de apelação de forma individualizada.
Do recurso de apelação manejado por Franklin Rodrigues Masruha
Em suas razões recursais, o recorrente alega, em preliminar, a nulidade da sentença por ausência de citação, considerando que o mandado citatório foi dirigido ao Secretário de Segurança Pública, e não ao próprio recorrente, ferindo a regra disposta no inciso I do artigo 225 do CPC.
Enfatiza que "a revelia do apelante potencializa e torna ainda mais grave a nulidade da citação. Alguns autores entendem que nesse caso, diante da revelia, a citação inclusive deixa de ser nula para se tornar inexistente. Ora, o principal efeito do ato citatório é dar conhecimento da ação com suas particularidades e especificações, e esse defeito somente seria escusável pelo comparecimento espontâneo do apelante" (f. 703).
Menciona que é ônus do autor indicar corretamente as partes passivas da ação, e que deve no mandado citatório conter expressa e corretamente o nome do réu.
Pois bem, o cerne da questão posta em discussão cinge-se em saber se deve ser declarada a nulidade dos atos processuais praticados nos autos, em razão de vício na citação do recorrente, a qual não teria sido feita pessoalmente, mas sim em nome do Secretário de Segurança Pública.
Sabe-se bem que a citação, dentre outras funções, tem o objetivo de chamar o réu ou o interessado ao juízo para exercer seu direito de defesa. Conceituando tal ato processual dispôs o Código de Processo Civil:
"Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender".
Assim, é certo que o sujeito passivo deve ser comunicado da relação processual que fora contra ele ajuizada, a fim de que possa, querendo, se defender ou se manifestar, tratando-se de ato indispensável à validade do processo.
No entanto, para a efetivação da citação pessoal, o diploma processualista relacionou alguns elementos que devem constar do mandado citatório, os quais estão indicados no artigo 225 do CPC:
"Art. 225. O mandado, que o oficial tiver de cumprir, deverá conter:
I - os nomes do autor e do réu, bem como os respectivos domicílios ou residências;
II - o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a advertência a que se refere o artigo 285, segunda parte, se o litígio versar sobre direitos disponíveis;
III - a cominação, se houver;
IV - o dia, hora e lugar do comparecimento;
V - a cópia do despacho;
VI - o prazo para defesa;
VII - a assinatura do escrivão e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.
Parágrafo único. O mandado poderá ser em breve relatório, quando o autor entregar em cartório, com a petição inicial, tantas cópias desta quantos forem os réus; caso em que as cópias, depois de conferidas com o original, farão parte integrante do mandado".
Vale destacar, desde já, que a simples inexistência de um dos requisitos acima indicados não vicia o ato da citação se não houver a demonstração do efetivo prejuízo. Trata-se de aplicação máxima do princípio manifesto na expressão francesa pás de nullité sans grief segundo o qual não se declara a nulidade de um ato sem antes provar o dano.
Também o princípio da instrumentalidade das formas impõe que se evitem formalismos exacerbados, determinando o aproveitamento de atos processuais, ainda que praticados por forma diversa da instituída em lei. Segundo Ovídio A. Baptista da Silva, o princípio da instrumentalidade das formas é aquele "segundo o qual, mesmo que a lei estabeleça determinada forma, sem a cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo alcançar ele a finalidade a que destinava"[1].
Aliás, oportuna é a lição trazida por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que afirmam:
"1. Requisitos do mandado. A norma especifica os requisitos essenciais do mandado de citação. Caso a falta de algum deles cause dificuldade ou impossibilidade de defesa do réu, haverá nulidade".[2]
No caso dos autos, verifica-se que o mandado citatório (f. 69) indicou apenas o cargo ocupado pela parte requerida (Secretário de Segurança Pública), deixando de trazer o nome do Secretário, Sr. Franklin Rodrigues Masruha, o que feriria o disposto no inciso I do artigo 225 do CPC.
Entretanto resta extreme de dúvida que a referida citação cumpriu a sua finalidade, qual seja, informar o recorrente sobre a ação contra ele ajuizada. Tanto é que o mandado de citação foi por ele mesmo recebido, no dia 20 de dezembro de 1999, não podendo alegar que não tinha conhecimento sobre o processamento da demanda, razão pela qual não há vício que justifique a declaração de nulidade do processo.
Ante o exposto, conheço do presente recurso e, entendendo ter sido válida a citação do apelante, nego-lhe provimento. Com o parecer.
Passo, então, à análise do mérito dos recursos, o que faço simultaneamente.
Do mérito dos recursos de apelação
Nas razões que devolve a este Sodalício, o apelante Francisco Carlos da Silva Moreira alega a preliminar de nulidade da sentença por sete fundamentos, quais sejam:
1) cerceamento do direito de defesa, já que não foi oportunizada a produção das provas pleiteadas;
2) incoerência na prestação jurisdicional, considerando que "se fosse verdade que no dito convênio pairava ilegalidade e lesividade, a decisão recorrida teria reflexo inevitável na vida de dezenas de oficiais, que sem nenhuma participação no ato administrativo atacado (convênio nº 001/99), sofreria irreparável prejuízo na sua vida funcional e pecuniária, sendo rebaixado no posto, após ter decorrido vários anos sem que o Poder Judiciário se manifestasse sobre o assunto. Ainda, é de se ressaltar que a sentença objurgada, anula o convênio às fls. 99/102, e não aos demais subseqüentes contratos (documentos ora entranhados), constituindo-se tal edito em inegável contradição" (f. 665);
3) impossibilidade de o Poder Judiciário adentrar na análise do mérito do ato administrativo discricionário;
4) impossibilidade de transformação do réu em autor, notadamente por ter havido determinação de "que os autores emendassem a inicial, para incluir no pólo passivo da ação, o Estado de Mato Grosso do sul, fato este que cominou às fls. 52/53 com a emenda ao pedido vestibular, feita pelos Autores, para incluir no pólo passivo da ação, o Estado" (f. 667).
5) ausência de fundamentação, considerando que se lastreou em fundamentos inconsistentes, divorciados das provas dos autos e sem calço legal;
6) falta de objetividade jurídica, uma vez que o ato administrativo desconstituído pelo julgador monocrático perdeu sua eficácia pelo total cumprimento ocorrido em dezembro de 1999;
7) julgamento extra petita, uma vez que "a ação fora proposta contra o Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul e não de forma específica, contra o Apelante, Francisco Carlos da Silva Moreira" (f. 670).
Ainda, em preliminar, argüi a prescrição do direito de ação, já que a citação do Comandante-Geral da Polícia Militar foi efetivada em 22 de dezembro de 1999, oportunidade na qual reiniciou o prazo contido no artigo 21 da Lei n. 4.717/65, findando-se em dezembro de 2004.
No mérito, argumenta que no período em que foi Comandante-Geral da Polícia Militar solicitou parecer da Procuradoria-Geral do Estado sobre a viabilidade de contratação de universidade particular para ministrar o curso de oficiais superiores da Polícia Militar, obtendo manifestação favorável.
Relata que "foi dado início oficialmente às diligências juntos aos Estabelecimentos de Ensino nesta Capital, quando ao interesse na implantação e realização do curso superior de polícia, fato este, que somente restou frutífero o interesse da UNIDERP. Ainda é de se ressaltar que a UNIDERP, se propôs a implantar o curso e ministrá-lo por um décimo do valor (R$ 19.493,30 - fls. 101 - item 7.1) do que gastaria em outro Estado, em igual formação e curso, com o deslocamento dos oficiais para outra Unidade Federal (Fortaleza R$ 386.593,00 e São Paulo R$ 289.484,00 - fls. 79)" (f. 672).
Indica que a realização de licitação para a contratação da Uniderp seria inócua, visto que, além de ter sido dispensada no parecer emitido pela Procuradoria-Geral do Estado, nenhuma outra universidade manifestou interesse em implantar e ministrar o curso.
Alega que a dispensa da licitação ocorreu justamente porque somente a Uniderp demonstrou interesse no curso, e que se este fosse ministrado em São Paulo ou em Fortaleza seria necessário o dispêndio de importância imensamente maior.
Ressalta que os §§ 1º e 2º do artigo 19 da Lei Estadual n. 254/81 autorizam o Comandante-Geral da Polícia Militar a firmar o convênio em questão, restando evidenciada a inexistência de lesão ao erário.
Por fim, no apelo da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - Uniderp e de Pedro Chaves dos Santos, restou afirmado que o magistrado sentenciante, ao concluir pela responsabilização direta da Uniderp, deixou de sopesar determinadas circunstâncias, como a efetiva prestação do serviço, objeto do convênio, e a existência de prévio procedimento administrativo destinado à sua aprovação.
Destaca que "os atos praticados pelo Estado de Mato Grosso do Sul com vistas a firmar o convênio com os ora Apelantes tinham APARÊNCIA DE ATOS VÁLIDOS" (f. 722), sendo equivocado o entendimento de que os recorrentes teriam praticado conduta contrária ao ordenamento jurídico.
Entendem não ser possível admitir terem de ser responsabilizados por eventuais atos falhos e nulos praticados pelo Estado, notadamente considerando que cumpriram o objeto do convênio.
Relatam que o Comandante-Geral da Polícia Militar e o Secretário de Segurança Pública da época dos fatos devem ser solidariamente responsabilizados pelo ato acoimado de nulidade.
Por ordem de prejudicialidade, inicio pela análise das preliminares agitadas por Francisco Carlos da Silva Moreira
No entanto, antes de iniciar o julgamento, esclareço que as alegações de incoerência na prestação da tutela jurisdicional, de impossibilidade de análise do mérito do ato administrativo discricionário, de impossibilidade de transformação do réu em autor e de falta de objetividade jurídica em razão do total cumprimento do convênio são questões que se confundem com a própria matéria de fundo da presente demanda, razão pela qual analiso as referidas preliminares em conjunto com o mérito.
Das preliminares
Do cerceamento do direito de defesa
A primeira preliminar agitada pelo recorrente diz respeito à nulidade do processo por cerceamento do direito de defesa, considerando que houve o julgamento antecipado da lide sem que fosse oportunizada a produção de provas.
Como é cediço, o juiz tem o poder de ponderar sobre a necessidade da dilação probatória. Entendendo ele que os documentos constantes nos autos não são suficientes para a formação de seu livre convencimento, poderá conceder às partes a oportunidade para que especifiquem as provas a serem produzidas. Caso contrário, ou seja, se o juiz já tiver formado seu livre convencimento motivado, poderá dispensar a produção de outras provas, proferindo desde logo sua decisão.
Nos termos do Código de Processo Civil, temos que:
Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência."
Ainda, pode o juiz entender que as provas requeridas não serão úteis ao processo. Nesse sentido leciona Antonio Carlos Marcato:
"Constatado ser o caso de julgamento do pedido (art. 269, I), o juiz avaliará a necessidade, ou não, de produção de provas tendentes à formação de seu convencimento sobre a pertinência da pretensão deduzida em juízo, provas essas respeitantes, exclusivamente, às questões de fato (da mihi facto, dabo tibi ius). Concluindo pela negativa, conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença de mérito, dispensada, assim, a fase instrutória, sem dúvida alguma a mais demorada e onerosa de todas as demais fases processuais".[3]
No mesmo sentido é o ensinamento de Vicente Greco Filho:
"O julgamento antecipado da lide, para Calmon de Passos, não é mais do que julgamento feito após a fase postulatória, por motivo de se haver colhido, nessa fase, todo o material necessário para formar a convicção do magistrado (art. 330, I), ou ocorrendo a revelia (art. 330, II)".[4]
E continua dizendo:
"O objeto da prova é sempre o fato controvertido, pertinente e relevante. Se for incontroverso, não há necessidade de prova; tampouco se for irrelevante ou impertinente, pois então não alterará em nada o resultado da causa".[5]
No caso dos autos, bem se vê que a questão controvertida está relacionada à existência ou não de nulidade na celebração do convênio n. 001/99, publicado no Diário Oficial n. 5040, de 17.6.1999 (f. 45), ante a ausência de prévio procedimento licitatório.
Ocorre que a solução de tal questão não depende de produção de provas, tratando-se de matéria eminentemente de direito. Ou seja, a lide é solucionada com a simples interpretação do direito e da análise dos documentos já acostados aos autos. Assim, constato que não houve cerceamento do direito de defesa que justifique a declaração de nulidade da sentença.
Logo, afasto a preliminar.
Da nulidade da sentença por ausência de fundamentação
Outra preliminar devolvida diz respeito à nulidade da sentença por ausência de fundamentação consistente, uma vez que contrária à prova dos autos. Também esta preliminar não merece ser acolhida.
De fato, o artigo 458 do CPC indica a necessidade de que a decisão terminativa traga o relatório, os fundamentos e o dispositivo.
Nos fundamentos, o juiz deve analisar as questões de fato e de direito. Em que pese a decisão objurgada ter sido concisa, entendo que não há vício que justifique sua nulidade. Nota-se que o douto magistrado analisou todos os pontos debatidos pelas partes e se pronunciou pela improcedência do pedido principal e pela procedência da denunciação à lide, expondo os motivos que lhe levaram a essa conclusão.
Como é cediço, o ordenamento jurídico não exige uma fundamentação exaustiva. Isso porque a exigência de explicitação dos motivos da decisão tem a finalidade de possibilitar o conhecimento dos raciocínios realizados pelo juiz e viabilizar o eficiente manejo dos recursos.
Ora, a decisão proferida não trouxe dificuldade no entendimento dos motivos utilizados pelo julgador. Nota-se que, na decisão de f. 632-648, está perfeitamente visível a fundamentação do decisum, não havendo nem sequer que se falar em concisão da sentença.
Nesse passo, inconsistente a alegação de falta de requisitos essenciais à sentença. Aliás, faz-se mister destacar que a questão relacionada à boa ou má apreciação do conjunto probatório cuida-se de error in judicando, ou seja, é matéria atinente ao mérito que não enseja a declaração de nulidade de sentença, mas somente a sua reforma.
Portanto, afasto a preliminar.
Do julgamento extra petita
Também não merece acolhida a alegação de nulidade da sentença porque a condenação teria recaído sobre pessoa diversa da indicada na petição inicial. Na verdade, o recorrente alega que ação popular fora proposta com o objetivo de condenar o Comandante-Geral da PM, e não o próprio recorrente, Francisco Carlos da Silva Moreira, razão pela qual o magistrado teria extrapolado os limites da lide.
Sabe-se que em obediência ao princípio da congruência, deve haver exata correspondência entre o que foi pedido e o que foi decidido, razão pela qual a sentença deve guardar uma correlação (correspondência) com a demanda, nos termos do que dispõe o artigo 128 do CPC. Humberto Theodoro Junior acrescenta que "o núcleo da petição inicial é o pedido, que exprime aquilo que o autor pretende do Estado frente ao réu".[6]
Lembre-se que, ao elaborar sua petição inicial, mais precisamente o seu pedido, o autor fixa os limites da lide, devendo existir uma correlação entre a pretensão expressamente formulada e a sentença, sendo defeso ao juiz decidir aquém (citra ou infra petita), fora (extra petita) ou além (ultra petita) do que foi efetivamente pedido, se para isso a lei exige a iniciativa da parte, nos termos do artigo 460 do CPC[7].
No caso dos autos, ao contrário do afirmado pelo recorrente, a demanda não fora proposta contra o Comandante-Geral da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, mas sim contra o Coronel QOPM Francisco Carlos da Silva Moreira, conforme se verifica da petição inicial (f. 3). Note-se que apesar de fazer menção ao Comandante-Geral, houve a expressa especificação da pessoa que deveria ser citada para integrar a lide, o que efetivamente ocorreu.
Logo, afasto a prefacial.
Da prescrição
Por fim, o recorrente agitou a preliminar de prescrição intercorrente, uma vez que a citação do Comandante-Geral foi efetivada em 22 de dezembro de 1999, sendo que o prazo qüinqüenal previsto no 21 da Lei n. 4.717/65 estaria findo em dezembro de 2004.
Sabe-se que a prescrição intercorrente é aquela decorrente da inércia da parte que ajuizou um processo, ou seja, presume-se a existência de um processo judicial paralisado. Segundo a doutrinadora Maria Helena Diniz, a prescrição intercorrente pode ser conceituada da seguinte forma:
"1. Direito administrativo e direito processual. a) É a admitida pela doutrina e jurisprudência, surgindo após a propositura da ação. (...) b) ocorre quando o autor, por ex. o credor, por desídia, não dá seqüência ao processo, voltando, então, a fluir o prazo prescricional, como sanção à inércia processual, a partir do último ato do processo que o interrompeu, por culpa do autor. Se o processo se imobilizou por deficiência do serviço forense, por manobra maliciosa do réu, ou devedor ou por qualquer motivo alheio ao autor, não haverá prescrição intercorrente, se ocorrer imobilização processual por ato culposo do credor, o devedor poderá requerer, nos próprios autos, o decreto da prescrição intercorrente".[8]
Assim, pode ocorrer que o autor da ação deixe de dar andamento ao feito, sendo que diante de tal inércia, o magistrado deve intimá-lo para, no prazo de 48 horas, promover o prosseguimento processual, sob pena de extinção, nos termos dos incisos II e III do artigo 267 do CPC.
Entretanto, no caso dos autos, não houve inércia dos autores em dar andamento ao processo. Na verdade a demora no julgamento da lide ocorreu, exclusivamente, em razão da complexidade da matéria em discussão, bem como pela quantidade de requeridos com procuradores diversos.
Desse modo, não resta evidenciada a inércia dos autores com relação ao impulso processual, não tendo se operado a prescrição intercorrente.
Portanto afasto a preliminar
Passo, então, à análise do mérito dos recursos.
Do mérito
No mérito, as questões postas em discussão cingem-se em saber se é válido o convênio n. 001/99, celebrado entre a Polícia Militar de MS, o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e a Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal sem o prévio procedimento de licitação.
Inicialmente, faz-se mister tecer determinados esclarecimentos. Em 7 de maio de 1999, o Comandante-Geral da PMMS formulou consulta ao Procurador-Geral do Estado, pretendendo o esclarecimento da legislação com relação à possibilidade ou não de instituir o curso superior de Polícia no Estado (f. 87). Em resposta à indagação (f. 90-96), a Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se favoravelmente, entendendo que "é da competência do Comando-Geral da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul a realização de cursos de formação, de especialização e de aperfeiçoamento de oficiais de seus quadros" (f. 96).
Na seqüência, foi criado o Curso Superior de Polícia Militar "destinado ao aprimoramento doutrinário, filosófico, humanístico e decisório dos Oficiais Superiores da Polícia Militar do Estado", nos termos da Portaria n. 021/PM-3/PMMS, de 1º de junho de 1999 (f. 97-98), com a contratação direta da UNIDERP - Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, em razão da dispensa de procedimento licitatório, fundada no inciso XIII do artigo 24 c.c. o inciso VI do artigo 13 da Lei n. 8.666/93 (f. 103 e cláusula segunda do convênio de f. 193-197).
No entanto os autores da ação popular, entendendo ser impossível a dispensa da licitação, promoveram a presente demanda pugnando pela decretação da "invalidade do ato impugnado, que tem por objeto o Curso superior de Polícia Militar/MS, condenando-se as rés, indicadas nos itens (1) à (6), QUE AGIRAM COM DOLO, na restituição aos cofres públicos das quantias recebidas por aquele convênio" (f. 20).
Quando do julgamento da lide, o ilustre magistrado sentenciante entendeu ser o caso de julgar parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos, in verbis (f. 646-648):
"(...)
Isto posto, julgo parcialmente procedente o pedido inicial formulado pelos autores populares LINO GONÇALVES, ÉRICO BITENCOURT DE ALBUQUERQUE, JONAS DOMINGOS DO NASCIMENTO, SEBASTIÃO GARCIA DE LIMA, GERÔNCIO CARLOS DA SILVA, ISOLI PAULO FONTOURA e ARMANDO BARROS OLIVO, em face de FRANCISCO CARLOS DA SILVA MOREIRA, FRANKLIN RODRIGUES MASRUHA, UNIDERP - UNIVERSIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO E DA REGIÃO DO PANTANAL e PEDRO CHAVES DOS SANTOS, para o fim de:
1. Desconstituir o ato administrativo nominado "Convênio n. 001/99"
para contratação do Curso de Polícia Militar em Nível de Pós-Graduação - Lato Sensu;
2. Condenar os requeridos, com fundamento no artigo 11 da Lei de
Ação Popular n. 4.717/657:
2.1. De FRANCISCO CARLOS DA SILVA MOREIRA e FRANKLIN RODRIGUES MASRUHA - restituição das perdas e danos decorrentes do pagamento do montante de R$ 19.493,30 (dezenove mil, quatrocentos e noventa e três reais e trinta centavos), pelos cofres públicos, consistente no pagamento dos juros de 0,5% (meio por cento) ao mês sobre citado valor, a partir da data da contratação - junho de 1999 (fl.68), mais correção monetária pelo índice IGPM-FGV. Os valores serão restituídos ao erário público estadual;
2.2. UNIDERP - UNIVERSIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO E DA REGIÃO DO PANTANAL e PEDRO CHAVES DOS SANTOS - reposição do valor que recebeu ilegalmente dos cofres públicos, no importe de R$ 19.493,30 (dezenove mil, quatrocentos e noventa e três reais e trinta centavos), mais juros de 0,5% ao mês sobre citado valor, a partir da data da contratação - junho de 1999 (fl. 68), mais correção monetária pelo índice IGPM-FGV. Os valores serão depositados nos cofres públicos estadual.
3. Ficam excluídos do pólo passivo da ação: EDI EDERALDO DE ALMEIDA, MIRIAM ELIZABETH LEMOS DUTRA, JANE ALVES CLEMENTE DA FONSECA DUARTE, EDUARDO KYRILLOS TEBET, JOSÉ LEONEL DOS SANTOS, JOSÉ IVAN DE ALMEIDA, JÚLIO CÉSAR KOMIYAMA, NILTON TADEU FERREIRA, MÁRIO CARDOSO MIQUILINO, PAULO CÉSAR GOMES NAVEGA, GERALDO GARCIA ORTI, ROBERTO FRANCISCO DE SOUZA, JOSÉ ROSEVALDO BAROSA, VANDEIR TEOTÔNIO DE CASTRO, HILTON VILASSANTI ROMEIRO, ANTÔNIO CARLOS SOARES, CARLOS ALBERTO DAVID DOS SANTOS, ITAMAR ALVES DOS SANTOS, JOÃO ALVES CALIXTO, JOAQUIM RODRIGUES LOPES, BENEDITO MARIO DE MORAES SOUZA, EDUARDO RABELO DE OLIVEIRA e ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL.
Condeno os requeridos, solidariamente, ao pagamento das custas e despesas processuais, posto que, em face do autores populares reside o benefício da isenção de custas e despesas processuais.
Condeno ainda os requeridos, solidariamente, observadas as disposições do artigo 20, §3º, 'a' a 'c', do Código de Processo Civil, ao pagamento dos honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, corrigida.
Julgo a presente ação com resolução de mérito, e o faço com espeque no artigo 269, I, do Código de Processo Civil.
(...)".
No entanto, a meu ver, a sentença recorrida deve ser reformada.
Por oportuno, esclareça-se que os requisitos necessários à propositura da ação popular estão descritos no artigo 5º, LXXIII, da CF/88, que preconiza:
"Art. 5.º (...)
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".
A ação popular tem como objetivos precípuos a anulação de atos ilegais comissivos ou omissivos que lesaram o patrimônio público e o respectivo ressarcimento, sendo certo que com a nova concepção dada ao instituto pela Lei n. 6.513/77, bem como pela Constituição Federal de 1988, o aludido dano foi estendido também a valores não econômicos, como a moralidade e o meio ambiente, não se restringindo ao patrimônio material propriamente dito.
A doutrina enumera como requisitos ou pressupostos da ação popular, além da condição de cidadão do autor, a existência de ilegalidade ou imoralidade e de lesividade, ou seja, deve haver um ato ilegal ou imoral que tenha causado dano ao patrimônio público, sendo que tais requisitos estão ligados ao mérito da causa, levando à procedência ou improcedência dos pedidos.
Resta, portanto, analisar a presença ou não dos requisitos da ilegalidade e lesividade, que, segundo os autores, baseia-se no fato de ter sido celebrado convênio entre o Governo do Estado, a Polícia Militar e a Uniderp para a implementação de cursos de aperfeiçoamento de policiais, sem o prévio procedimento de licitação.
A Administração Pública, direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do disposto no artigo 37 da CF, deverá obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Dessa forma, percebe-se que a Administração possui limites, ou seja, não está livre para fazer ou deixar de fazer algo de acordo com a vontade do governante, devendo obediência à lei em toda a sua atuação. Assim, sua atividade está pautada pelo princípio da legalidade.
O princípio da legalidade, no âmbito exclusivo da Administração Pública, significa que esta, ao contrário do particular, que pode fazer tudo que não seja proibido em lei, tão somente poderá agir segundo as determinações legais.
O ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Curso de Direito Administrativo, conceitua o retro princípio como sendo "o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei"[9].
A legalidade, mais do que exigir uma correspondência da ação administrativa à lei, significa uma dependência aos valores essenciais de uma sociedade, máxime o decorrente da própria necessidade de preservação, que é a supremacia do interesse público. Nesse exato sentido, mais do que atender à lei, a Administração precisa agir de acordo com os legítimos valores sociais que, enfim, regulam a sua própria gênese. Com isso, verifica-se que a legalidade não se exaure com atendimento formal da lei, isto é, o atendimento literal de um determinado comando normativo, mas é imprescindível que o bem jurídico tutelado seja efetivamente atendido.
Soma-se ao fato, outrossim, que a Administração e seus agentes têm de atuar em conformidade com os princípios éticos. À moralidade administrativa é imposto um padrão de conduta a ser observado pelos agentes públicos, enquanto revestidos de suas funções, compatível com um sistema de valores de moralidade elaborados pela sociedade e que funciona no sentido de se estabelecer um conteúdo moral específico que possa receber a tutela jurídica sob a forma de um princípio vinculativo.
O certo é que a moralidade do ato administrativo com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constitui pressuposto de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima, merecendo destaque o ensinamento proferido pelo jurista Antonio José Brandão:
"A atividade dos administradores, além de traduzir a vontade de obter o máximo de eficiência administrativa, terá ainda de corresponder à vontade constante de viver honestamente, de não prejudicar outrem e de dar a cada um o que lhe pertence - princípios de Direito Natural já lapidarmente formulados pelos jurisconsultos romanos. À luz dessas idéias, tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda. Em ambos os casos, os seus atos são infiéis à idéia que tinha de servir, pois violam o equilíbrio que deve existir entre todas as funções, ou embora mantendo ou aumentando o patrimônio gerido, desviam-no do fim institucional, que é o de concorrer para a criação do bem comum"[10].
Subordinando-se o Poder Público, no Estado de Direito, ao princípio da legalidade, qualquer ato ilegítimo, ainda que não cause prejuízo ao erário e aos demais bens protegidos por meio da ação popular, será sempre lesivo à moralidade administrativa.
Como decorrência lógica do princípio da legalidade e da indisponibilidade do interesse público, impõe-se ao administrador que pretender a contratação de obras, serviços, compras e alienações, a realização de prévio procedimento de licitação, nos termos o inciso XXI do artigo 37 da CF/88[11].
A licitação nada mais é que "um procedimento integrado por atos e fatos da Administração e atos e fatos do licitante, todos contribuindo para formar a vontade contratual"[12].
No entanto o supracitado inciso XXI do artigo 37 da CF/88, ao exigir a licitação pública para os contratos, ressalva "os casos especificados na legislação", ou seja, deixa em aberto a possibilidade de serem fixadas, por lei ordinária, hipóteses em que a licitação deixa de ser obrigatória. São os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação.
O certame será dispensado nas situações taxativamente arroladas no artigo 24 da Lei n. 8.666/93, abrangendo as hipóteses em que, embora exista viabilidade jurídica de competição, a lei autoriza a celebração direta do contrato ou mesmo determina a não-realização do procedimento licitatório.
Por seu turno, a inexigibilidade da licitação ocorre quando houver impossibilidade jurídica de competição, sendo meramente exemplificativo o rol contido no artigo 25 da Lei n. 8.666/93.
No caso dos autos, verifica-se que a Administração entendeu ser o caso de dispensa do procedimento de licitação para a contratação da Uniderp para a implementação dos cursos de aperfeiçoamento de policiais (f. 103), com base no inciso XIII do artigo 24 da Lei de Licitações que dispõe, in verbis:
"Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos".
Note-se que o dispositivo legal indica ser possível a contratação direta de instituição desde que presentes duas condições: a) tratar-se de instituição brasileira sem fins lucrativos, ou seja, sociedade civil de cujo ato constitutivo conste como objetivo societário a pesquisa, o ensino ou o desenvolvimento institucional; b) contar a entidade com 'inquestionável reputação ético-profissional', vale dizer, em termos licitatórios, idoneidade assemelhada àquela resultante da habilitação prevista no artigo 27 e à notória especialização definida no artigo 25, § 1º.
Analisando atentamente os autos, verifica-se que a UNIDERP atendeu às exigências legais, razão pela qual não há óbice à sua contratação. Soma-se, ainda, o fato de que nenhuma das outras entidades particulares de ensino demonstrou interesse no curso, o que ficou evidenciado pela própria inexistência de impugnação à contratação mediante convênio.
Sabe-se que um dos objetivos perseguidos pelo procedimento licitatório é possibilitar ampla competitividade mediante observância ao princípio da isonomia, obtendo a proposta mais vantajosa à Administração Pública para a execução do objeto contratado.
Todavia, considerando que nenhuma das outras entidades particulares de ensino situadas no Estado manifestou interesse na implementação do curso em questão, tornou-se impossível a realização da licitação pública, ante a própria inexistência de licitantes, o que reforça a necessidade de ser considerado válido o convênio, objeto dos autos.
Por fim, é de se consignar que compete exclusivamente ao Administrador Público o poder e a discricionariedade para eleger o comportamento a ser adotado diante do caso concreto, segundo os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, devendo-se ressaltar que a declaração de dispensa de licitação é ato inerente à atividade administrativa e exclusiva do poder contratante.
Podemos afirmar que o ato apontado como ilegal atendeu ao princípio da eficiência do serviço público que implica a observância dos aspectos da produtividade, economicidade, qualidade, celeridade e presteza.
Considerando que a contratação da Uniderp para ministrar o curso de aperfeiçoamento gerou aos cofres públicos uma despesa de R$ 19.493,30 (dezenove mil quatrocentos e noventa e três reais e trinta centavos), e que o custo com a realização do mesmo curso no Estado de São Paulo (f. 186) seria entre R$ 289.484,00 (duzentos e oitenta e nove mil quatrocentos e oitenta e quatro reais) e R$ 228.540,00 (duzentos e vinte e oito mil quinhentos e quarenta reais), podemos afirmar que restou atendido o princípio da eficiência.
Assim sendo, a meu ver, não ficou evidenciada a ilegalidade, tampouco a lesividade do ato ou a má-fé dos administradores, devendo ser reformada a sentença de procedência.
Ante o exposto, conheço de ambos os recursos de apelação e, contra o parecer, dou-lhes provimento para reformar a sentença recorrida, julgando improcedentes os pedidos contidos na petição inicial da presente ação popular.
Sem custas e honorários, nos termos do inciso LXXIII do artigo 5º da CF/88.
O Sr. Des. Paulo Alfeu Puccinelli (Revisor)
De acordo com o relator.
O Sr. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho (Vogal)
De acordo com o relator, quanto ao recurso de Franklin Rodrigues Masruha.
RECURSO DE FRANKLIN RODRIGUES MASRUHA CONHECIDO E IMPROVIDO POR UNANIMIDADE E COM O PARECER. QUANTO AO RECURSO DE FRANCISCO CARLOS DA SILVA MOREIRA A CONCLUSÃO DO JULGAMENTO FOI ADIADA PARA A PRÓXIMA SESSÃO, EM VIRTUDE DO PEDIDO DE VISTA DO VOGAL - DES. FERNANDO MAURO MOREIRA MARINHO, APÓS O RELATOR E O REVISOR TEREM DADO PROVIMENTO AO RECURSO.
VOTO(EM 15.12.2008)
O Sr. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho (Vogal)
Trata-se de apelação cível interposta por Francisco Carlos da Silva Moreira, contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação popular manejada pelos apelados, condenando-o a restituir aos cofres públicos valores dispendidos com um convênio para a abertura de um Curso de Polícia Militar em nível de pós-graduação.
Os ilustres Des. relator e revisor conheceram do presente recurso e deram-lhe provimento para reformar a sentença apelada, julgando improcedentes os pedidos formulados na inicial de ação civil pública.
Acompanho a relator.
Não identifico, na hipótese, conduta ilegal ou lesiva por parte do apelante que justifique sua condenação ao ressarcimento do erário.
Como já mencionado alhures, a questão em apreço envolve apreciar a legalidade ou não de convênio celebrado para a abertura de curso superior sem a realização de licitação para tanto.
Na hipótese, verifica-se que o Comandante-Geral da Polícia Militar obteve previamente parecer favorável da Procuradoria-Geral do Estado, que a dispensa de licitação foi regularmente fundamentada no inciso XIII do art. 24 da Lei de Licitações, que não houve demonstração de interesse pelas outras instituições de ensino superior na realização do curso e que o valor da contratação encontra-se em patamar módico, quando comparado com o custo de empreendimentos semelhantes feitos por outros Estados.
Não se verifica, portanto, na conduta do apelante, violação aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que justifique sua condenação nos moldes estabelecidos na sentença apelada.
Feitas essas considerações, acompanho o relator, dando provimento ao recurso.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
RECURSO DE FRANKLIN RODRIGUES MASRUHA: CONHECERAM E IMPROVERAM O RECURSO, CONFORME O PARECER. RECURSO DE FRANCISCO CARLOS DA SILVA MOREIRA E OUTROS: CONHECERAM E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR E CONTRA O PARECER. DECISÃO UNÂNIME.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Oswaldo Rodrigues de Melo, Paulo Alfeu Puccinelli e Fernando Mauro Moreira Marinho.
Campo Grande, 15 de dezembro de 2008.
[1] Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 5ª ed. Vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 204.
[2] Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 479.
[3] Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas. 2004, p. 983.
[4] Direito Processual Civil Brasileiro. 14ª ed. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 169.
[5] Op. Cit. p. 170.
[6] Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 36ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 318.
[7] "Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado."
[8] Dicionário Jurídico. 2ª ed. Vol. 03. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 810.
[9] Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 83.
[10] Moralidade Administrativa. In Revista de Direito Administrativo. 25/454.
[11] "Art. 37. (...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações".
[12] Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Altas, 2002. p. 298.