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5 de nov. de 2012

TJMS. Abuso de direito. Art. 187 do CC/2002. Considerações.

TJMS. Abuso de direito. Art. 187 do CC/2002. Considerações. Sílvio de Salvo Venosa, entre outras considerações sobre o citado artigo 187 do CC/02, menciona, verbis: "Pedro Batista Martins (1941) vê no abuso de direito não categoria jurídica à parte, mas fenômeno social. Ocorre, porém, que o abuso de direito deve ser tratado como categoria jurídica simplesmente porque traz efeitos jurídicos. Aquele que transborda os limites aceitáveis de um direito, ocasionando prejuízo, deve indenizar. Como vemos, os pressupostos são por demais assemelhados aos da responsabilidade civil. (...) Quer se encare o abuso de direito como extensão do conceito de responsabilidade civil, quer se o encare como falta praticada pelo titular de um direito, importa saber, do ponto de vista eminentemente prático, como devem ser regulados os efeitos do abuso. Resta inarredável que, sendo o abuso transgressão, no sem tido lato, de um direito, suas consequências deverão ser assemelhadas às do ato ilícito. Isso será tanto mais verdadeiro, como se percebe, em nosso direito, nos termos dos mencionados nos arts. 186 e 188. Deve ser afastada qualquer ideia de que exista direito absoluto. No abuso de direito, pois, sob a máscara de ato legítimo esconde uma ilegalidade. Trata-se de ato jurídico aparentemente lícito, mas que, levado a efeito sem a devida regularidade, ocasiona resultado tido como ilícito. O exercício de um direito não pode afastar-se da finalidade para a qual esse direito foi criado" (In Código Civil Interpretado, Atlas, 2010, p. 207). 

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Integra do acórdão

Acórdão: Apelação Cível n. 2011.027040-5/0000-00, de Dourados.
Relator: Des. Marco André Nogueira Hanson.
Data da decisão: 22.05.2012.

Terceira Câmara Cível 
Apelação Cível - Ordinário - N. 2011.027040-5/0000-00 - Dourados. 
Relator - Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson. 
Apelante - Rejane Vieira Nobre Tonon. 
Advogado - Antônio Zeferino da S. Júnior. 
Apelado - Brasil Telecom S/A - OI. 
Advogados - Myriane Silvestre dos Santos e outro. 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – TELEFONIA – FATURA – PARTE DO DÉBITO INEXISTENTE POR QUITAÇÃO ANTERIOR – NEGATIVAÇÃO DO NOME DO CONSUMIDOR – EXERCÍCIO EXCESSIVO DO DIREITO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 187 DO CÓDIGO CIVIL – DANOS MORAIS DEVIDOS – RECURSO PROVIDO. Verificando-se que a concessionária do serviço de telefonia, ao encaminhar o nome da consumidora para negativação junto aos organismos de proteção ao crédito, não observou que a fatura continha em parte valor já quitado, decorrente de parcelamento e, ainda que apesar de intimada junto ao PROCON para esclarecer a situação não tomou nenhuma providência, pratica excesso de exercício de direito, passível de gerar o dever de indenizar. 

ACÓRDÃO 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. 

Campo Grande, 22 de maio de 2012. 

Des. Marco André Nogueira Hanson – Relator 

RELATÓRIO 
O Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson 
Rejane Vieira Nobre Tonon, inconformada com a sentença (f. 130-134), que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na ação declaratória de inexistência de débito c/c por danos morais que lhe promove em face de Brasil Telecom S/A - OI, interpõe recurso de apelação objetivando sua reforma nesta instância. 
A sentença objurgada declarou inexistente parte do débito contido em fatura de serviços telefônicos do mês de setembro/2009 e deixou de condenar a concessionária em danos morais, reconhecendo como legítima a inscrição do nome da consumidora nos cadastros de inadimplentes, em face de débito em aberto e não pago. 
Aduz a apelante em suas razões (f. 140-151) que a sentença incorreu em equívoco ao proclamar que a recorrente deveria ter adotado as providências necessárias para evitar a negativação, como pagar a conta e pedir judicialmente a restituição da parte relativa ao indébito, ou ajuizar ação consignatória, pois na sua condição de consumidora hipossuficiente e passando por dificuldades financeiras, seria injusto exigir-lhe tais diligências. 
Salienta que a recorrida cometeu ilícito a partir do momento em que inseriu na fatura um débito derivado de parcelamento, que já havia sido quitado um mês antes, na fatura de agosto/2009, circunstância que demonstra sua boa-fé na relação contratual, sempre procurando resolver a pendência de forma administrativa, sem alcançar êxito nesse intento, recorrendo inclusive ao PROCON, onde também não foi solucionada a controvérsia. 
Prequestiona violação ao artigo 5º, X, da CF, bem como dos artigos 186 e 187 do Código Civil e conclui requerendo o provimento do recurso. 
A parte apelada, inobstante intimada, deixou da oferecer contrarrazões. 

VOTO 
O Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson (Relator) 
Cuida-se de recurso de apelação interposto por Rejane Vieira Nobre Tonon, reclamando que a sentença recorrida não atentou devidamente para a prova dos autos, que indica que a inscrição do seu nome nos cadastros restritivos da SERASA decorreu de prática de ato ilícito da apelada. 
Transparece do acervo instrutório dos autos que a recorrente, impossibilitada de quitar integralmente a conta de telefone do mês de janeiro de 2009, obteve junto à concessionária um parcelamento do débito para pagamento em quatro vezes, sendo que a última fora quitada junto com a fatura do mês de agosto daquele ano. No mês de setembro seguinte, recebeu uma fatura contendo, além do débito pelos serviços prestados no período, o valor da última parcela, totalizando R$ 177,00, sendo R$ 110,11 referentes ao parcelamento. 
Informou a autora na inicial que "efetuou o pagamento da conta referente ao mês de setembro/2009" ao argumento de que o total do valor cobrado não correspondia ao efetivamente devido para a fatura daquele mês 
Pela prova coligida, restou incontroverso que a última parcela efetivamente estava adimplida desde agosto de 2009, circunstância que levou o magistrado singular a declarar inexistente o débito no valor de R$ 110,00, incluso na sobredita fatura de setembro/2009. 
Todavia, relativamente ao pedido sucessivo (indenizatório) assim se posicionou o julgador: 

"O valor constante da fatura (R$ 177,00) é resultado da soma do valor da parcela do acordo (R$110,11) mais quantia referente aos serviços telefônicos prestados pela ré e utilizados pela autora (R$ 66,89). 
Logo, tem-se que a quantia de R$ 66,89 era devido pela autora uma vez que corresponde à contraprestação dos serviços de telefonia prestados pela ré.(...). 
Entretanto, embora tivesse ciência do débito, a autora quedou-se inerte e 'não efetuou o pagamento da conta referente ao mês de setembro/2009' 
Nessa ordem de ideias, tem que a inscrição do nome da autora no cadastro de inadimplentes foi feita de forma legal, não havendo que se falar em dever de reparar..." 

Ressalte-se que a autora poderia ter tomado as providências necessárias a fim de evitar a negativação de seu nome, tais como efetuar o pagamento e posteriormente pedir a restituição do indébito, ou até mesmo, ter efetuado a consignação em pagamento, o que não fez." (cf. f. 133-134). 

Em suma: concluiu o magistrado que a autora deveria ter ciência de que em caso de não pagamento seu nome seria negativado e ainda assim optou por manter sem pagamento a fatura, ainda que espelhasse cobrança a maior. 
Todavia, de uma análise mais detida de todo o contexto em que os fatos se sucederam, chega-se à conclusão diversa da contida na sentença. 
É que são fatos incontroversos nos autos que: 
1 – houve um acordo entre as partes para parcelamento de contas telefônicas que não puderam ser quitadas a tempo e modo; 
2 – a apelante cumpriu o acordo, pagando a última parcela juntamente com a fatura do mês de agosto; 
3 – o valor dessa última parcela foi novamente cobrado juntamente com a conta do mês de setembro/2009; 
4 – a apelante, por diversas vezes, fez contato com o call center da apelada, objetivando solucionar o impasse, sem obter qualquer resposta satisfatória; 
5 – diante desse quadro procurou socorro junto ao PROCON, onde duas audiências foram realizadas (18.11 e 01.12.2009), com comparecimento de preposto da apelada, não sendo alcançado acordo (cf. f. 27-28). Observe-se que nessa ocasião a inserção do nome da recorrente junto à SERASA era fato consumado e do valor inscrito constou parcela não devida. 
Todo esse desenrolar dos fatos, leva à conclusão de que assiste razão à recorrente no tanto em que sustenta ter sido a sentença proferida em desacordo com o artigo 187 da lei substantiva civil, que preconiza: 

"Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes" 

Portanto, não se pode olvidar que do conjunto probatório resta claro que a concessionária deveria ter mais controle nas suas cobranças, em ordem a ter ciência contábil de que a última parcela do acordo já tinha sido quitada; que quando intimada pelo PROCON, deveria ter envidado diligências para apurar a veracidade dos reclamos da consumidora e, por fim, admitir o equívoco no encaminhamento do valor de R$ 177,00 para ser inscrito negativamente em nome da apelante quando citada para esta ação, onde confessa a quitação das parcelas em data anterior a setembro/2009. 
Sílvio de Salvo Venosa, entre outras considerações sobre o citado artigo 187 do CC/02, menciona, verbis: 

"Pedro Batista Martins (1941) vê no abuso de direito não categoria jurídica à parte, mas fenômeno social. Ocorre, porém, que o abuso de direito deve ser tratado como categoria jurídica simplesmente porque traz efeitos jurídicos. Aquele que transborda os limites aceitáveis de um direito, ocasionando prejuízo, deve indenizar. Como vemos, os pressupostos são por demais assemelhados aos da responsabilidade civil.(...) 
Quer se encare o abuso de direito como extensão do conceito de responsabilidade civil, quer se o encare como falta praticada pelo titular de um direito, importa saber, do ponto de vista eminentemente prático, como devem ser regulados os efeitos do abuso. Resta inarredável que, sendo o abuso transgressão, no sem tido lato, de um direito, suas consequências deverão ser assemelhadas às do ato ilícito. Isso será tanto mais verdadeiro, como se percebe, em nosso direito, nos termos dos mencionados nos arts. 186 e 188. 
Deve ser afastada qualquer ideia de que exista direito absoluto. No abuso de direito, pois, sob a máscara de ato legítimo esconde uma ilegalidade. Trata-se de ato jurídico aparentemente lícito, mas que, levado a efeito sem a devida regularidade, ocasiona resultado tido como ilícito. O exercício de um direito não pode afastar-se da finalidade para a qual esse direito foi criado" (In Código Civil Interpretado, Atlas, 2010, p. 207). 

Essa lição tem absoluta pertinência com o caso sob exame. De fato, na relação de direito material estabelecida entre as partes, o consumidor aparece como parte hipossuficiente, pois a emissão da fatura, com o valor nela espelhado, é ato unilateral da concessionária, como também é ato unilateral, sem qualquer prévia notificação do devedor, o encaminhamento de seu nome para negativação no cadastro de inadimplentes. Em outras palavras, cuida-se de uma situação em que não é oferecida à parte qualquer possibilidade de defesa prévia. Basta constar dos controles da operadora que determinado débito não foi pago no vencimento, que a comunicação aos órgãos de proteção ao crédito é mera decorrência. 
Daí, a procedência da demanda também quanto aos danos morais reclamados. 
Do valor da indenização 
Não pairam mais quaisquer dissensos, tanto na doutrina como na jurisprudência, de que o arbitramento da indenização do dano moral deve operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, a capacidade econômica das partes, orientando-se sempre o julgador pelos critérios da prudência, razoabilidade e proporcionalidade, eis que inexiste no direito positivo parâmetros pré-estabelecidos para cada situação. 
Como cediço o arbitramento deve ter como base o princípio da proporcionalidade, levando-se em conta as condições da pessoa ofendida, bem como a capacidade econômica da empresa ofensora, sem perder de vista, a reprovabilidade da conduta ilícita praticada e, por fim, que o ressarcimento do dano não se transforme em enriquecimento ilícito ao ofendido. 
Nesse sentido, Cavalieri Filho discorre sobre este tema: 

"Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano. 
Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes." 

Portanto, a indenização deve ter um caráter preventivo, com o fito de a conduta danosa não voltar a se repetir, assim como punitivo, visando à compensação do dano sofrido. Não devendo, contudo, transformar-se em objeto de enriquecimento ilícito devido à fixação de valor desproporcional para o caso concreto. 
Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal já decidiu: 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C DANO MORAL – INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DO AUTOR NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – QUANTUM INDENIZATÓRIO PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – HONORÁRIOS FIXADOS DE ACORDO COM DISPOSTO ART. 20, §3°, DO CPC – RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. Na quantificação do dano moral deve-se levar em conta os critérios de razoabilidade, considerando-se não só as condições econômicas do ofensor e do ofendido, mas o grau da ofensa e suas consequências, para não constituir a reparação do dano em fonte de enriquecimento ilícito para o ofendido, mantendo uma proporcionalidade entre causa e efeito. (AC nº 2009.008745-6 – Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – 3ª Turma Cível – Relator: Exmo. Sr. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho – Julgamento em 08/03/2010). 

Mede-se ainda o valor segundo a extensão do dano (CC, art. 944), tendo sempre presente a sua dupla finalidade: reparação e repressão, a fim de que atinja seu caráter pedagógico a que se propõe, sem implicar em enriquecimento injustificado de uma parte em detrimento da outra. 
Sobre o assunto, colhe-se da jurisprudência: 

"A discricionariedade que confere liberdade ao juiz para sopesar e avaliar a dor do ofendido não é tarefa fácil, mas deve, sobretudo, ser de monta que possa propiciar-lhe conforto material, como forma de compensação, sem deixar de levar em conta o potencial econômico do ofensor, além da situação pessoal do ofendido. Critérios dos quais o julgador não pode fugir, de maneira que haja compensação moderada com evidente caráter pedagógico da condenação. Os danos morais, elevados a preceito constitucional, não encontram limite, enquanto não houver lei promulgada regendo o assunto, senão no prudente arbítrio do juiz, através da observância dos aspectos objetivos que norteiam cada caso" (In Manual Temático de Direito, Dagma Paulino dos Reis, Del Rey 5ª edição, p. 1411). 

In casu, a apelante se apresenta como "do lar" enquanto a apelada é empresa do ramo de telefonia, atividade econômica de elevada magnitude, justificando, nesse particular a sua condenação a compor danos morais da ordem de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 
À vista, pois, de tudo o quando foi exposto, conheço do recurso e o provejo para julgar procedente o pedido de indenização por danos morais e condenar a apelada Brasil Telecom S/A – OI, a pagar à apelante Rejane Vieira Nobre Tonon a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com atualização monetária a partir desta data e juros de mora de 1% a partir da citação, eis que o ilícito praticado decorreu de relação contratual. 
Por força deste julgamento em face do princípio da sucumbência, condeno a parte vencida a pagar honorários advocatícios ao patrono da apelada, que ora arbitro em 15% sobre o valor da condenação, além das custas e despesas do processo. 

DECISÃO 
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte: 
POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. 
Presidência do Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson. 
Relator, o Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson. 
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Marco André Nogueira Hanson, Rubens Bergonzi Bossay e Oswaldo Rodrigues de Melo. 

Campo Grande, 22 de maio de 2012.