A extinção da fundação será possível se configurada qualquer das hipóteses previstas nos incisos do art. 1.204, do CPC. Não configurada, contudo, nenhuma das suposições ali elencadas, impossível a extinção da fundação.
Íntegra do acórdão:
Apelação Cível n. 1.0040.08.070347-9/001, de Araxá.
Relator: Des. Versiani Penna.
Data da decisão: 01.02.2012.
Número do processo: 1.0040.08.070347-9/001(1)
Númeração Única: 0703479-22.2008.8.13.0040
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Relator: Des.(a) VERSIANI PENNA
Relator do Acórdão: Des.(a) VERSIANI PENNA
Data do Julgamento: 01/03/2012
Data da Publicação: 13/03/2012
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO - EXTINÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - NÃO PREENCHIMENTO DE NENHUMA DAS HIPÓTESES ELENCADAS NO ART. 1.204, DO CPC - RECURSO DESPROVIDO. - A extinção da fundação será possível se configurada qualquer das hipóteses previstas nos incisos do art. 1.204, do CPC. Não configurada, contudo, nenhuma das suposições ali elencadas, impossível a extinção da fundação.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0040.08.070347-9/001 - COMARCA DE ARAXÁ - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): FUND IBI TECNOLOGIA ALTERNATIVA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 01 de março de 2012.
DES. VERSIANI PENNA
RELATOR.
DES. VERSIANI PENNA (RELATOR)
R E L A T Ó R I O
Em virtude da aposentadoria do Des. Lucas Pereira, estes autos foram redistribuídos e vieram-me conclusos para decisão.
Verifico que já existe relatório pronto, às fls. 257/258, motivo pelo qual o adoto.
É o relatório.
À Douta Revisão.
V O T O
Trata-se de ação ordinária de extinção de fundação movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em desfavor da Fundação IBI Tecnologia Alternativa.
O autor, em sua inicial, afirma que a Fundação requerida foi constituída em 30.03.1993, cujas finalidades encontram-se estabelecidas no art. 4º do seu estatuto, com o devido registro no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Araxá e aprovação do Ministério Público.
Sustenta, ainda, que a requerida paralisou suas atividades no período compreendido entre os anos de 1996 e 2005, não havendo prestado as devidas contas, consoante previsto na legislação civil.
Acrescenta que em 13 de julho de 2007, a Sra. Presidente da Fundação requerida comunicou a transferência da sede da entidade para Belo Horizonte/MG, entretanto não foi constatado o seu funcionamento no endereço indicado.
Diante das irregularidades apresentadas, pugna pela procedência do pedido, com a consequente extinção da referida fundação.
Devidamente citada, a ré apresentou contestação às fls. 76/80, acompanhada dos documentos de fls. 81/142. Argumenta que as afirmações do autor não correspondem à verdade e acrescenta que vem exercendo regularmente suas funções. Afirma que a sua sede foi transferida para a Rua. Bocaiúva, nº. 155-A, Bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte/MG, inclusive com a devida anuência do Ministério Público.
Sustenta que não há embasamento legal para sua extinção, motivo pelo qual pede a improcedência do pedido do autor.
Sobreveio sentença às fls. 218/220, na qual o MM. Juiz a quo, julgou improcedente o pedido inicial.
Inconformado, o autor interpôs apelação (fls. 225/231), reiterando as razões postas na inicial. Cita os artigos 69 do Código Civil e 1.204 do Código de Processo Civil, sustentando que a legislação deve ser respeitada.
Em suas razões, alega, em síntese, que a Fundação requerida descumpriu o seu estatuto, que a sua sede não foi localizada nos endereços indiciados e que nunca foram apresentadas as prestações de contas. Nesse sentido, pugna pela reforma da decisão recorrida e pela decretação da extinção da Fundação IBI Tecnologia Alternativa.
Em parecer ministerial de fls. 244/246, a D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pela desnecessidade de sua intervenção no feito.
É o relatório.
Passo a decidir.
Juízo de Admissibilidade
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Mérito
O Ministério Público, por meio da 3ª promotoria de Justiça - Curadoria de Fundações da Comarca de Araxá, busca a reforma da sentença proferida pelo magistrado de 1ª instância, sustentando que a Fundação IBI Tecnologia Alternativa, ora apelada, deve ser extinta.
De início, importante observar se presentes os requisitos para a pretendida extinção da fundação, ora apelada.
Sabe-se que a extinção da fundação só é possível se preenchidos um dos incisos do art. 1.204, do CPC, que dispõe:
Art. 1.204 - Qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público promoverá a extinção da fundação quando:
I - se tornar ilícito o seu objeto;
II - for impossível a sua manutenção;
III - se vencer o prazo de sua existência.
Referidas hipóteses de extinção da fundação também encontram-se presentes no art. 69, do CC/02, que ostenta semelhante redação:
Art. 69 - Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.
Portanto, a teor das normas acima transcritas, depreende-se que o legislador estabeleceu, expressamente, as hipóteses pelas quais pode ser pedida a extinção de uma fundação.
Constata-se que referidas hipóteses são apenas três e, a meu ver, devem ser interpretadas restritivamente.
A primeira delas diz respeito à extinção da fundação cujo objeto se torne ilícito. Neste sentido, sabe-se que o objeto nada mais é que a finalidade pela qual a fundação foi criada. Ilícita é aquela finalidade contrária à lei.
Analisando detidamente os autos, vejo que o objeto da Fundação IBI - Tecnologia Alternativa não se enquadra nessa hipótese, por não conter qualquer ilicitude, conforme, aliás, extrai-se claramente de seu Estatuto (fls. 08/09):
Art. 4º - A IBI - Tecnologia Alternativa tem como objetivo prestar consultorias, assessorias, elaborar e implantar projetos e cursos nas áreas de: planejamento urbano regional, ambiental e turístico, informática, controle de qualidade e produtividade, comunicação integrada e tecnologias alternativas.
Parágrafo único - As atividades desenvolvidas pela IBI - Tecnologia Alternativa visam ao atendimento das necessidades sociais, econômicas, culturais e psicofísias do ser humano, através de projetos que promovam o crescimento integrado de crianças, adolescentes e indivíduos carentes.
Além disso, no caso em análise, não há qualquer prova de que houve alteração no objeto da fundação, muito menos uma alteração capaz de torná-lo ilícito. O que evidentemente existe é uma conduta negligente dos seus dirigentes, que se mostram renitentes em prestar contas ao Ministério Público das atividades desenvolvidas pela fundação.
Contudo, não se pode confundir a atitude dos administradores com o objeto da fundação. No primeiro caso, pode o Ministério Público pleitear a destituição da diretoria da fundação com base nestes desvios, mas não se pode dizer ter ocorrido alteração nos propósitos e objeto da fundação. A irregularidade, repito, está na atitude dos administradores e não no objeto da fundação, que, aliás, continua o mesmo desde a sua instituição.
A segunda hipótese legal que viabiliza a extinção de uma fundação diz respeito à impossibilidade de sua manutenção (art. 1204, II, CPC), o que também não parece ser o caso. Ainda que a fundação funcione em meio a dificuldades financeiras, tal fato não é suficiente a ensejar sua extinção.
A propósito, interessante o esclarecimento de José Oympio de Castro Filho a respeito da matéria:
"(...) não será qualquer dificuldade de sobrevivência que justificará a extinção, senão unicamente a absoluta impraticabilidade da vontade do instituidor, que não vencerá seu ideal, por força do predomínio da impossibilidade (ad impossibilia, nemo tenetur)." (In Comentários ao Código de Processo Civil, vol X, Ed. Forense, 5ª edição, 2004, p. 321) (negritei)
Destarte, ainda que a situação econômica da fundação não seja das mais saudáveis, deve-se ter sempre em mente os nobres objetivos por ela desempenhados, não sendo razoável extingui-la apenas por não esbanjar saúde financeira.
Finalmente, não há que se falar no caso previsto pelo inciso III, do artigo 1.204, do Código de Processo Civil, posto que não há termo para a existência da fundação em exame.
Ademais, ao Ministério Público, bem se sabe, há a possibilidade legal de exigir as prestações de contas periódicas ou mesmo de reivindicar a substituição dos administradores da fundação, no seu regular exercício de fiscalização. Mas, a extinção da fundação, por vícios de sua direção, não encontra amparo legal específico.
Quanto à alegação do Ministério Público, de que a fundação não tem sede, existindo apenas de forma ficta, vejo que razão não lhe assiste.
Com efeito, em sua contestação (fl. 77), a fundação afirmou que possui sede à "Rua Bocaiúva, nº. 155-A, Santa Tereza, local este onde a mesma vem exercendo regularmente suas funções."
Juntou, ainda, o contrato de locação do referido imóvel (fls. 137/141), no qual a Fundação IBI - Tecnologia Alternativa figura como locatária. Em relação ao uso e à destinação do imóvel, extrai-se da cláusula 4ª do contrato:
4ª) - USO E DESTINAÇÃO: o imóvel objeto da presente locação se destina a sede social da entidade em BH, não sendo permitida em hipótese alguma, a mudança de uso e destinação, nem a sublocação, empréstimo ou cessão da locação, no todo ou em parte, sem consentimento prévio e por escrito do LOCADOR. (grifei)
Importante frisar, ainda, que, em diligência realizada no local, a Oficiala de Justiça atestou que a fundação encontra-se devidamente instalada e em plena atividade, como se verifica da certidão de fl. 202, verbis:
Certifico que, em cumprimento ao mandado retro, dirigi-me à Rua Bocaiúva, nº. 155-A, Bairro Santa Tereza, onde às 11hs 06min do dia 26/05/2009, CONSTATEI que Fundação IBI Tecnologia Alternativa encontra-se instalada e em atividade no referido endereço (...)
Por fim, quanto ao argumento de que a fundação esteve inativa entre os anos de 1996 e 2005, tenho como irrelevante para o deslinde do feito. Isso porque a sua situação fática atual é diversa, e deve ser ela retratada no julgamento da causa.
Noutras palavras, considerando que atualmente a fundação encontra-se em funcionamento (fl. 202) e que vem realizando diversos projetos sociais (fls. 85/104), não me parece razoável invocar argumento pretérito para que a mesma seja extinta.
Aliás, entendo que a suposta inatividade da fundação entre os anos de 1996 e 2005 não é suficiente a ensejar sua extinção, mormente se considerarmos que atualmente ela encontra-se ativa.
Assim, com a devida vênia ao entendimento defendido pelo Ministério Público, não vislumbro qualquer hipótese que justifique a extinção da fundação. Como já dito, há, apenas, uma conduta irregular (não prestação de contas) por parte dos administradores, o que não é suficiente para se adotar a drástica medida de extinguir uma fundação que desempenha relevantes projetos sociais em comunidades carentes.
Dispositivo
Ante tais considerações, nego provimento ao recurso e mantendo inalterada a bem lançada decisão de primeiro grau.
Custas recursais, ex lege.
DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUCIANO PINTO - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "APELO CONHECIDO E DESPROVIDO."