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27 de ago. de 2012

TJMS. Atos ilícitos. Abuso de direito. Art. 187 do CC/2002. Considerações.

TJMS. Atos ilícitos. Abuso de direito. Art. 187 do CC/2002. Considerações.  Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery [Código Civil Comentado. 7.ed. rev., ampl. e atual. até 25.8.2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 391], discorrem sobre o abuso de direito prescrito no art. 187 do CC: "5. Limites. Cláusulas gerais. Não há direito absoluto no ordenamento brasileiro. A norma comentada impõe como limites ao exercício de um direito legítimo, fazê-lo sem exceder os fins sociais e econômicos desse mesmo direito, bem como com observância da boa-fé e dos bons costumes.(...) 6. Abuso do direito. Conceito. Distinção do ato ilícito subjetivo. Ocorre quando o ato é resultado do exercício não regular do direito (CC 188 I in fine, a contrario sensu). No ato abusivo há violação da finalidade do direito, de seu espírito, violação essa aferível objetivamente, independentemente de dolo ou culpa (Alvino Lima, Culpa e risco, 2.ª ed., n. 48, p. 252; Alvino Lima, RF 166/25; Jornada I STJ 37). Distingue-se do ato ilícito do CC 186, porque neste se exige a culpa para que seja caracterizado. Ambos são ilícitos, mas com regimes jurídicos diferentes. (...) 7. Abuso de direito. Ilícito objetivo. A norma comentada imputa ao ato abusivo a natureza de ilícito. Tendo em vista suas próprias peculiaridades, não se assemelha ao ato ilícito do CC 186, assim considerado pela li para fins de reparação do dano por ele causado. O ato abusivo pode, até, não causar dano e nem por isso deixa de ser abusivo. A ilicitude do ato cometido com abuso de direito é de natureza objetiva, aferível independemente de dolo ou culpa. " A concepção adotada de abuso de direito é objectiva (sic). Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico do direito; bastam que excedam seus limites" (Pires de Lima-Antunes Varela. CC Anot., v. I, coment. 1 CC port. 334º, p. 298). No mesmo sentido, Jornada I STJ 37, cujo texto integral se encontra na casuística abaixo, verbete "Responsabilidade objetiva" (...) 8. Abuso do direito. Natureza e características. É categoria autônoma, de concepção objetiva e finalística, e não apenas dentro do âmbito estreito do ato emulativo (ato ilícito). Diferentemente do ato ilícito, que exige a prova do dano para ser caracterizado, o abuso de direito é aferível objetivamente e pode não existir dano e existir ato abusivo (Guilherme Fernandes Neto. O abuso de direito no Código de Defesa do Consumidor, 1999, p. 200). O abuso de direito é aferível de modo objetivo, prescindindo do dolo ou culpa e também do dano para caracterizar-se. (...) 12. Efeitos do ato abusivo. Verificado e declarado um ato como havendo sido cometido com abuso de direito, esse fato gera os efeitos de todo ato ilícito, contra o direito: a) obrigação de reparar os danos por ele causados, morais e patrimoniais (...)"


Integra do acórdão

Acórdão: Apelação Cível n. 2011.033127-7/0000-00, de Aparecida do Taboado.
Relator: Des. Vladimir Abreu da Silva.
Data da decisão: 19.01.2012.

Quinta Câmara Cível
Apelação Cível - Ordinário - N. 2011.033127-7/0000-00 - Aparecida do Taboado.
Relator - Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.
Apelante - HSBC Bank Brasil S/A.
Advogados - Regina Célia Ferreira e outro.
Apelado - Paulo Fontoura Oliveira.
Advogado - Leandro Jose Guerra.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – TRAVAMENTO DE PORTA GIRATÓRIA EM AGÊNCIA BANCÁRIA – POLICIAL MILITAR ARMADO E DEVIDAMENTE IDENTIFICADO ATRAVÉS DA CARTEIRA FUNCIONAL – ABUSO DE DIREITO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ART. 187 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO IMPROVIDO. Não se afasta o direito dos estabelecimentos bancários de assegurar a higidez do seu patrimônio através da adoção de medidas de segurança, dentre elas a instalação de "portas giratórias" com detector de metais, todavia, o dano e seu respectivo dever de reparação surge quando se extravasa tal direito, afastando-se a ponderação e cautela que deveriam balizar seu exercício. Ao se impedir o acesso à agência bancária de policial militar armado e devidamente identificado pela apresentação de sua carteira funcional, os prepostos da apelante exorbitaram do direito de resguardo que lhes assistiam, agindo com discricionariedade não autorizada e em manifesta subsunção à conduta descrita no art. 187 do CC. A circunstância reflete abuso de direito (art. 187 do CC) que supera o mero aborrecimento, sendo cabível indenização tendente a compensar os prejuízos morais dele advindos.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.

Campo Grande, 19 de janeiro de 2012.

Des. Vladimir Abreu da Silva – Relator

RELATÓRIO
O Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva
HSBC Bank Brasil S.A interpõe recurso de apelação, irresignado com a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Aparecida do Taboado que o condenou ao pagamento de indenização por dano moral, em face de ação ajuizada por Paulo Fontoura de Oliveira.
Sustenta a necessária reforma da decisão para que se julgue a improcedência da ação em razão da apreciação rasa dos fatos, e, subsidiariamente, que haja a diminuição do montante fixado na condenação.
Alega que a conduta adotada pelos funcionários da agência bancária estava dentro do usual e permitido pela legislação aplicável atinente às regras de segurança, fato previamente conhecido pelo apelado até mesmo por tratar-se de agente da segurança pública (policial militar), restando que, se algum abalo à honra ocorreu, isso deve-se unicamente à sua postura.
Confirma a recusa em permitir a entrada do apelado na agência bancária, todavia, tal fato se deu devido ao apelado estar portando arma de fogo e ter-se recusado a apresentar sua carteira funcional.
Por fim, pugna pela reforma da sentença a resultar na improcedência do pedido do apelado ou, subseqüentemente, que seja minorado o quantum estabelecido a título de indenização pelo dano moral sofrido.
Contrarrazões do apelado a refutar a tese do apelo, em especial, aduzindo que não houve qualquer recusa em apresentar sua identidade funcional, restando a concretização do dano moral quando, mesmo identificado, lhe foi terminantemente proibido o acesso ao interior da agência bancária. Termina por requerer a manutenção da sentença por seus termos.

VOTO
O Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva (Relator)
Trata-se de recurso de apelação interposto por HSBC Bank Brasil S.A, irresignado com a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Aparecida do Taboado que julgou procedente a ação indenizatória ajuizada por Paulo Fontoura de Oliveira, condenando-o ao pagamento de R$ 8.175,00 a título de indenização por dano moral.
O fato posto em juízo retrata situação corriqueira, reflexo de uma das medidas da política de segurança adotada pelos estabelecimentos bancários do país.
O apelante, em sendo policial militar e objetivando o pagamento de boleto do banco apelado, teve seu acesso à agência bancária impedido pela "porta giratória" devido à arma de fogo que portava por encontrar-se de serviço naquele dia.
Como a agência bancária pertence à município paulista fronteiriço deste Estado, os funcionários da agência (vigilante e gerente), não reconheceram a farda que trajava e solicitaram a apresentação de sua carteira funcional, sendo este o ponto da discórdia.
Se por um lado o apelante defende, através do relato de seus funcionários, que o apelado não apresentou de forma clara sua identidade funcional ("Como a porta travou, o depoente disse para o autor mostrar sua carteira funcional e o autor a pegou, mas quando o depoente foi ver o depoente (sic), percebeu que o autor estava com o dedo em cima da foto. Então, pediu para o autor mostrar novamente o documento, mas ele se recusou e já estava alterado." - testemunho do vigilante à f. 94; "Quando retornava do almoço (...). O depoente percebeu que o autor já estava alterado, dizendo que era policial militar e que queria entrar na agência para pagar uma conta e que não era bandido. O depoente então pediu para o autor mostrar sua carteira funcional e, a princípio, o autor se recusou e disse que ia registrar um boletim de ocorrência na delegacia. Em certo momento, o autor chegou a mostrar sua funcional, mas estava com o dedo na foto do documento e não deu pra ver tal foto e então o autor foi proibido mais uma vez de entrar na agência." – testemunho do gerente à f. 95), por outro, o apelado rebate dizendo que em nenhum momento se negou a apresentar sua carteira funcional, sendo que por várias vezes tentou solucionar a peleja de forma amigável antes de se dirigir até a delegacia de polícia e registrar o boletim de ocorrência.
O juízo sentenciante acertadamente consignou o excesso dos prepostos da apelante verificado durante a instrução dos autos, em especial, via o testemunho do investigador de polícia que lavrou o boletim de ocorrência ao relatar que, em contato telefônico com funcionário da agência naquele momento, teria ele confirmado o ocorrido, inclusive da negativa de acesso ao interior da instituição mesmo após a devida identificação do apelado por sua carteira funcional.
Conforme apontado, restou configurada a conduta antijurídica, a existência do dano moral, e o nexo causal entre elas a configurar a responsabilidade perfilada pela legislação civilista, contudo, via manifesto abuso de direito discriminado no art. 187 do Código Civil, e não por aquele perpetrado pelo art. 186 do Código Civil, conforme defendido na sentença.
Não se nega à apelante o direito de assegurar a higidez do seu patrimônio através da adoção de medidas segurança, dentre elas a instalação de "portas giratórias" com detector de metais, todavia, o dano e seu respectivo dever de reparação surge quando se extravasa tal direito, afastando-se a ponderação e cautela que deveriam balizar seu exercício.
Ao impedir o acesso do apelado após sua identificação via carteira funcional, os prepostos da apelante exorbitaram do direito de resguardo que lhes assistiam, agindo com discricionariedade não autorizada e em manifesta subsunção à conduta descrita no art. 187 do CC.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[1]discorrem sobre o abuso de direito prescrito no art. 187 do CC:

"5. Limites. Cláusulas gerais. Não há direito absoluto no ordenamento brasileiro. A norma comentada impõe como limites ao exercício de um direito legítimo, fazê-lo sem exceder os fins sociais e econômicos desse mesmo direito, bem como com observância da boa-fé e dos bons costumes.(...)
6. Abuso do direito. Conceito. Distinção do ato ilícito subjetivo. Ocorre quando o ato é resultado do exercício não regular do direito (CC 188 I in fine, a contrario sensu). No ato abusivo há violação da finalidade do direito, de seu espírito, violação essa aferível objetivamente, independentemente de dolo ou culpa (Alvino Lima, Culpa e risco, 2.ª ed., n. 48, p. 252; Alvino Lima, RF 166/25; Jornada I STJ 37). Distingue-se do ato ilícito do CC 186, porque neste se exige a culpa para que seja caracterizado. Ambos são ilícitos, mas com regimes jurídicos diferentes. (...)
7. Abuso de direito. Ilícito objetivo. A norma comentada imputa ao ato abusivo a natureza de ilícito. Tendo em vista suas próprias peculiaridades, não se assemelha ao ato ilícito do CC 186, assim considerado pela li para fins de reparação do dano por ele causado. O ato abusivo pode, até, não causar dano e nem por isso deixa de ser abusivo. A ilicitude do ato cometido com abuso de direito é de natureza objetiva, aferível independemente de dolo ou culpa. " A concepção adotada de abuso de direito é objectiva (sic). Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico do direito; bastam que excedam seus limites" (Pires de Lima-Antunes Varela. CC Anot., v. I, coment. 1 CC port. 334º, p. 298). No mesmo sentido, Jornada I STJ 37, cujo texto integral se encontra na casuística abaixo, verbete "Responsabilidade objetiva" (...)
8. Abuso do direito. Natureza e características. É categoria autônoma, de concepção objetiva e finalística, e não apenas dentro do âmbito estreito do ato emulativo (ato ilícito). Diferentemente do ato ilícito, que exige a prova do dano para ser caracterizado, o abuso de direito é aferível objetivamente e pode não existir dano e existir ato abusivo (Guilherme Fernandes Neto. O abuso de direito no Código de Defesa do Consumidor, 1999, p. 200). O abuso de direito é aferível de modo objetivo, prescindindo do dolo ou culpa e também do dano para caracterizar-se.
(...)
12. Efeitos do ato abusivo. Verificado e declarado um ato como havendo sido cometido com abuso de direito, esse fato gera os efeitos de todo ato ilícito, contra o direito: a) obrigação de reparar os danos por ele causados, morais e patrimoniais (...)"
(Grifo nosso)

É importante fixar duas premissas para a resolução da lide: tanto não houver qualquer discordância por parte do apelado acerca dos procedimentos de segurança adotados pela agência bancária, quanto que se trata de fato já consolidado na jurisprudência que meros dissabores rotineiros da vida cotidiana -como o simples travamento de uma porta em bancos a que todos estamos suscetíveis-, não é pura e simplesmente causa geradora de dano moral.
O que se coíbe são os excessos decorrentes da justificada insegurança proveniente da, senão ausente, caótica segurança pública.
Em que pese ser justificável o não reconhecimento pelos funcionários da apelante da farda utilizada pela Polícia Militar deste Estado, o excesso decorreu da negativa de acesso do apelado ao estabelecimento mesmo devidamente identificado através da apresentação de sua carteira funcional, fato este incontroverso pois, segundo o investigador que lavrou o boletim de ocorrência, o funcionário da apelante teria dito que o "autor apresentou sua credencial de policial, mas mesmo assim não o deixaram entrar" (f. 93).
Tratando-se de responsabilidade objetiva à luz do art. 187 do CC e, num primeiro momento, provada a conduta, o resultado danoso e o nexo causal, restava à apelante desvencilhar-se de seu dever de reparação através das excludentes de responsabilidade concebidas pelo ordenamento. Em especial, como a questão cinge-se sobre a apresentação ou não da carteira funcional do apelado, deveria a apelante comprovar a ausência da conduta geradora de dano através da apresentação da filmagem do ocorrido, haja vista ser público e notório a existência de câmeras de segurança em todo o recinto bancário.
Convém destacar que o pedido de ingresso da prova (filmagem) na instrução partiu do apelado, em nada manifestando-se o apelante neste sentido, inclusive houve o pronunciamento do juízo ao sanear o processo (f. 61): "Por fim, indefiro o pedido de requisição da filmagem na medida em que não há, por parte da requerida, controvérsia sobre a existência ou não dos fatos."
Com relação ao pedido de diminuição da condenação "a patamares razoáveis", não se observa a desproporção sentida pela apelante, uma vez que o valor mostra-se condizente com o dano provocado pelo abuso de direito, além de coadunar com sua condição sócio-econômica e de restar ausente indícios da tentativa de enriquecimento do lesado, ora apelado.
Ante o exposto, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento para manter a sentença, todavia, sob o pálio da responsabilidade objetiva decorrente do abuso de direito capitaneada pelo artigo 187 c/c inc. III do art. 932 e art. 933 do Código Civil.

DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Luiz Tadeu Barbosa Silva e João Maria Lós.

Campo Grande, 19 de janeiro de 2012.

[1] Código Civil Comentado. 7.ed. rev., ampl. e atual. até 25.8.2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 391.