Se a parte somente alegou e nada provou deixou incidir o princípio: o que não está nos autos não está no mundo (quod non est in actis non est in mundo).
Íntegra do acórdão:
Terceira Turma Cível
Apelação Cível - Execução - N. 1000.075314-0/0000-00 - Campo Grande.
Relator - Exmo. Sr. Des. Hamilton Carli.
Apelante - Construtora Degrau Ltda.
Advogados - Afrânio Alves Corrêa e outro.
Apelada - Wanderléia Aparecida da Silva.
Advogados - Wagner Leão do Carmo e outro.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS EM AÇÃO MONITÓRIA - PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO POR AUSÊNCIA DE ANÁLISE DE QUESTÕES - AFASTADA - PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA - IMPROCEDENTE - PRELIMINAR DE NULIDADE PELA AUSÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - IMPROVIDA - CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR - AUSÊNCIA DE PROVA - RECURSO IMPROVIDO. Não se fala em nulidade do processo se o magistrado afastou as preliminares na audiência preliminar e as demais na análise conjunta com o mérito. Não pode o juiz, por sua mera conveniência, relegar para fase ulterior a prolação de sentença, se houver absoluta desnecessidade de ser produzida prova em audiência. Registre-se que a indisponibilidade que legitima a atuação do Parquet é a dos interesses meta individuais (artigo 127 c.c. artigo 129, inciso III, ambos da CF/88). Assim, se o interesse posto à apreciação não é difuso, coletivo ou individual homogêneo não legitima a atuação do Ministério Público. Se a parte somente alegou e nada provou deixou incidir o princípio: o que não está nos autos não está no mundo (quod non est in actis non est in mundo).
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, rejeitar as preliminares e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 13 de agosto de 2003.
Des. Claudionor Miguel Abss Duarte - Presidente
Des. Hamilton Carli - Relator
Terceira Turma Cível
Apelação Cível - Execução - N. 1000.075314-0/0000-00 - Campo Grande.
Relator - Exmo. Sr. Des. Hamilton Carli.
Apelante - Construtora Degrau Ltda.
Advogados - Afrânio Alves Corrêa e outro.
Apelada - Wanderléia Aparecida da Silva.
Advogados - Wagner Leão do Carmo e outro.
RELATÓRIO
O Sr. Des. Hamilton Carli
Construtora Degrau, irresignada com a decisão do Juiz da 6ª Vara Cível da Comarca da Capital (f. 78/84), proferida aos autos de Embargos em Ação Monitória que move em face de Wanderleia Aparecida da Silva, a qual julgou improcedente os Embargos constituindo o título de f. 11 como título executivo judicial, apela a este Tribunal.
Construtora Degrau traz como pretensão recursal as seguintes teses (f. 86-106): I - Nulidade da sentença ante a ausência de manifestação sobre teses defensivas de inegáveis relevância jurídica; II - Nulidade por violação do contraditório e da ampla defesa pela imprescindibilidade da dilação probatória negada com o julgamento antecipado da lide; III - Nulidade do processo ante a obrigação da presença do Ministério Público, tendo em vista que o processo versa sobre direitos indisponíveis; IV - No mérito: ausência de culpa pela pretensão rescisória, tendo em vista caso fortuito e força maior.
O apelado, devidamente intimado (f. 113), contra-arrazoou (f. 114-117), manifestando pelo improvimento do recurso.
VOTO
O Sr. Des. Hamilton Carli (Relator)
Construtora Degrau, irresignada com a decisão do Juiz da 6ª Vara Cível da Comarca da Capital (f. 78-84), proferida aos autos de Embargos em Ação Monitória que move em face de Wanderleia Aparecida da Silva, a qual julgou improcedente os Embargos constituindo o título de f. 11 como título executivo judicial, apela a este Tribunal.
Construtora Degrau traz como pretensão recursal as seguintes teses (f. 86-106): I - Nulidade da sentença ante a ausência de manifestação sobre teses defensivas de inegáveis relevância jurídica; II - Nulidade por violação do contraditório e da ampla defesa pela imprescindibilidade da dilação probatória negada com o julgamento antecipado da lide; III - Nulidade do processo ante a obrigação da presença do Ministério Público tendo em vista que o processo versa sobre direitos indisponíveis; IV - No mérito: ausência de culpa pela pretensão rescisória, tendo em vista caso fortuito e força maior.
Entendo que o recurso deve ser improvido.
Urge aclarar como intróito que a apelante trouxe prequestionamento dos seguintes dispositivos: artigos 247, 458, inciso II, e artigo 618, inciso II, do Código de Processo Civil e, ainda, os artigos 5º, inciso LV, e artigo 93, inciso IX, ambos da CF/88. Registre-se a matéria regulamentada pelo artigo 247 (nulidade de citação) e ao artigo 618, inciso II (processo de execução nulo por citação irregular) não foram nem sequer suscitada tanto em primeiro grau como perante este Tribunal e, portanto, impossível seu prequestionamento.
A primeira preliminar reside no pedido de nulidade da sentença ante a ausência de manifestação sobre teses defensivas de inegáveis relevância jurídica. Argumenta o apelante que o juízo monocrático teria deixado de se manifestar sobre os seguintes pontos: inépcia de inicial (impossibilidade jurídica do pedido e incompatibilidade lógica entre este e seu fundamento) e carência de interesse processual do autor.
O apelante está deduzindo pretensão sem qualquer fundamento e tentando alterar a verdade dos fatos, pois basta uma singela leitura no termo de assentada de f. 70 para se concluir que o magistrado enfrentou a matéria nos seguintes termos: "a primeira preliminar sustentada pelo embargante de carência de interesse processual é absolutamente impertinente, posto que a autora tem interesse de agir, vez que busca receber valores que entende que lhes são devidos ante o que se vê na f. 11. Rejeito, pois, a prejudicial. As demais preliminares confundem-se com o mérito e junto com este hão de ser apreciados".
Veja, também, que o magistrado mencionou na sentença (f. 80) o seguinte: "as preliminares de inépcia da inicial por incompatibilidade lógica entre a narrativa dos fatos e o pedido e a impossibilidade jurídica do pedido confundem-se com o mérito da ação e com este deverão ser decididas".
Como visto, se houve omissão foi da apelante em não se atentar ao processo. Confirma tal argumentação o fato de que o apelante defende a tese da impossibilidade jurídica do pedido de restituição sem a rescisão contratual, sendo que à f. 11 a própria requerida juntamente com a autora rescindiram o contrato de comum acordo. Como, agora, em grau de recurso, vem alegar a não-rescisão do contrato. Este fato demonstra o nítido caráter protelatório da apelante.
Por estas razões rejeito esta preliminar.
A segunda preliminar suscitada diz respeito à nulidade por violação do contraditório e da ampla defesa pela imprescindibilidade da dilação probatória negada com o julgamento antecipado da lide.
O magistrado de primeiro grau aplicou o instituto do julgamento antecipado da lide, que assim vem descrito no artigo 330 do Estatuto Processual Civil: "O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência (...)".
Por uma simples interpretação literal ou gramatical, segundo a qual, tem por objeto de análise, as palavras (funções sintáticas e semânticas) do texto legal, conclui-se que o preceito é cogente por utilizar a expressão conhecerá, e não poderá conhecer o que se conclui pela tese da obrigatoriedade do juiz em aplica-lo diante de suas hipóteses (inciso I e II do artigo 330 do Código de Processo Civil).
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 2832/RJ): "Presente as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder". Theotonio Negrão (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. Ed. Saraiva; p. 408 - nota: artigo 330 nº 01) assevera que: "Não pode o juiz, por sua mera conveniência, relegar para fase ulterior a prolação de sentença, se houver absoluta desnecessidade de ser produzida prova em audiência".
Urge registrar que o magistrado está restrito à sua própria consciência, pois analisará as provas segundo sua própria convicção. É isto o que prega o princípio da livre convicção estampado no artigo 131 do Código de Processo Civil.
Assim, se o processo está maduro para o julgamento, é acertada a aplicação do instituto do julgamento antecipado da lide em obediência ao princípio da celeridade processual (inciso II do artigo 125 do Código de Processo Civil). Diante disso, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que se presente as hipóteses do instituto em tela não há violação do contraditório e da ampla defesa (Agravo de Instrumento nº 203793-5/MG), o que anda bem, pois evita o desperdício de atos processuais e de tempo, entregando à parte o provimento jurisdicional pleiteado em menor interregno temporal.
Ora, a questão posta à apreciação reside tão somente em questão de direito, pois basta uma simples comparação nos documentos escritos e a sua transformação em título executivo de forma a embasar o processo de execução em nada mais. Assim, qualquer prova juntada aos autos não tem o condão de modificar as conseqüências processuais preestabelecidas, e, desta feita, a juntada de provas seria impertinente e procrastinatória, que não só pode como deve ser indeferida pelo Magistrado devido à redação do artigo 130 do Código de Processo Civil nos seguintes termos: "Caberá ao juiz de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias". O que anda bem, porque se o juiz é o destinatário das provas, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização.
Por fim, nem se fale que houve violação do princípio da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV da CF/88) porque o efeito do julgamento antecipado da lide está predeterminado na lei. Registre-se, também, que nenhuma liberdade pública é absoluta, pois pode ser excepcionada por lei ou pela própria Constituição. Lembre-se que o próprio direito à vida que constitui direito de existência e de exercício de todos os demais direitos é absoluto (artigo 5º, incido XLVII, "a" da CF/88).
Por essas razões rejeito a segunda preliminar.
A terceira preliminar reside na nulidade do processo ante a obrigação da presença do Ministério Público tendo em vista que o processo versa sobre direitos indisponíveis.
Observe que ninguém pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Esta frase materializa o princípio da legalidade (artigo 5º, inciso II, da CF/88). Montesquieu, no século XVIII, em 1748, em sua obra "O Espírito das Leis" já prelecionava que somente a lei pode proibir. O que não é proibido é permitido. Este princípio para o poder público é mais restrito, pois somente poderá fazer o que estiver expresso em lei.
O princípio da legalidade constitui instrumento indispensável ao particular, pois conforme os ensinamentos de Fábio Konder Comparato (A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. Saraiva: 2001; p. 01): "para os atenienses, a lei escrita é o grande antídoto contra o arbítrio governamental, pois, como escreveu Eurípides na peça As Suplicantes (versos 434-437), uma vez escritas as leis, o fraco e o rico gozam de um direito igual; o fraco pode responder ao insulto do forte, e o pequeno, caso esteja com a razão, vencer o grande".
No âmbito processual esta restrição ao poder público (somente fazer o que estiver expresso em lei) denomina-se princípio do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV da CF/88) que vem descrito como: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".
Ora, no artigo 129 da CF/88 (funções institucionais do Ministério Público) e o artigo 83 do Código de Processo Civil não prega que o Ministério Público deverá intervir em todos os direitos indisponíveis. Ele atua em vários direitos indisponíveis, mas porque estes direitos estão previstos na legalidade de atuação do Parquet e que "também" são direitos indisponíveis (v.g. incapaz). Podemos dizer, então, que o Ministério Público atua em alguns direitos indisponíveis, mas não em todos eles.
O princípio da legalidade e do devido processo legal somente legitima a atuação do Parquet nos casos expressamente previstos em lei, o que não acontece no caso vertente. Este é o devido processo legal. Registre-se que a única indisponibilidade que legitima a atuação deste órgão é a dos interesses meta individuais (artigo 127 c.c. artigo 129, inciso III, ambos da CF/88) o que não se aplica no caso vertente, tendo em vista que o interesse posto à apreciação não é difuso, coletivo ou individual homogêneo. Aliás, o direito posto à apreciação nem de longe é indisponível.
Por estas razões, rejeito a terceira preliminar.
A questão de mérito trazida para apreciação reside na alegação da ausência de culpa pela pretensão rescisória, tendo em vista caso fortuito e força maior. Em que pese a argumentação exposta o pedido não procede.
O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas quem assume o risco caso não se produza. A regra do ônus somente incidirá caso o fato não esteja provado. Estando provado o fato, pelo princípio da aquisição processual, essa prova se incorpora ao processo, sendo irrelevante indagar-se sobre quem a produziu.
É exatamente o que afirma José Frederico Marques (Manual de Direito Processual Civil"; 1ª edição; Editora Bookseller, Campinas, 1997; volume II, p. 218): "na realidade, a questão do ônus da prova surge principalmente quando se verifica, afinal, a ausência ou precariedade das provas".
Segundo a regra estatuída por Paulo, compilada por Justiniano (Dig. XXII, 3, 2), a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega a existência de um fato.
Nosso ordenamento é coerente com tais afirmações no artigo 333, I e II, do estatuto processual civil que distribui o ônus da prova ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu quando alega fato modificativo, extintivo e impeditivo.
Observe acórdão esclarecedor sobre o caso vertente, fornecido pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 108824/RS. Relator Ministro Milton Luiz Pereira): "O ônus da prova é da parte (art. 333, CPC). O juiz somente tomará a iniciativa quando o conjunto probatório cause dúvidas ou perplexidades, de regra, devendo julgar segundo o alegado pelas partes ("iudex secundum allegatta et probata partium iudicare debet"). Em contrário, a regra (art. 333, CPC) ficaria derruída, impondo-se ao Juiz suprir a inatividade da parte (...)".
Com muita clareza, Luis Rodrigues Wanbier (Curso Avançado de Processo Civil, Volume I, Revista dos Tribunais, 2ª edição, página 486), traz o conceito de ônus como: "a conduta que se espera da parte, para que a verdade dos fatos alegados seja admitida pelo juiz e possa ele extrair daí as conseqüências jurídicas pertinentes ao caso".
O ônus tem suma importância, porque a norma jurídica é produto da mente criativa do homem destinada a regular seu comportamento. Ela é um comando abstrato que somente atua concretamente quando um fato da vida se enquadra em sua incidência. Assim, estes fatos que provocaram a atuação da norma, materializam-se no processo, que será o instrumento, o veículo para levar até o juiz os fatos ocorridos no mundo fenomênico. Sem o conhecimento de tais fatos, é impossível ao juiz dizer a solução jurídica que a situação reclama.
Encontra-se registrado no Superior Tribunal de Justiça acórdão interessante nos seguintes termos (Recurso Especial nº 211851/SP. Relator ministro Sálvio de Figueiredo): "A produção de provas visa à formação da convicção do julgador acerca da existência dos fatos controvertidos, conforme o magistério de Moacyr Amaral Santos, segundo o qual 'a questão de fato se decide pelas provas. Por estas se chega à verdade, à certeza dessa verdade, à convicção. Em conseqüência, a prova visa, como fim último, incutir no espírito do julgador a convicção da existência do fato perturbador do direito a ser restaurado' (Prova Judiciária no Cível e Comercial, vol. I, 2a ed., São Paulo: Max Limonad, 1952, nº 5, p. 15)".
Veja que a parte somente alegou e nada provou deixando incidir o princípio: o que não está nos autos não está no mundo (quod non est in actis non est in mundo). Nem se diga que o julgamento antecipado do processo cerceou seu direito de defesa, porque a argumentação de que houve caso fortuito e força maior reside no excesso de inadimplemento dos consorciados (no dizer do apelante) e este fato somente poderá ser provado por prova documental. Como somente por meio documental poderá ser provado o fato, a prova testemunhal está vedada por disposição expressa do artigo 400, inciso, II, do Código de Processo Civil.
Veja que a prova documental deve ser apresentada na peça defensiva (artigo 297 do Código de Processo Civil) sob pena de preclusão temporal. A omissão do apelante não pode servir em seu proveito, até porque ninguém pode se beneficiar com a própria torpeza.
Por fim, a decisão monocrática foi bem proferida e por demais fundamentada, de forma a afastar a violação do artigo 458, inciso II, do Código de Processo Civil e artigo 93, inciso IX, da CF/88.
Isso posto e o mais que dos autos consta, nego provimento ao recurso mantendo inalterada a decisão monocrática. Condeno o apelante às penas de má fé por tentar alterar a verdade dos fatos consistente no pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, com fundamento no artigo 18 do Código de Processo Civil c.c. artigo 17, inciso II, do mesmo Codex.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Hamilton Carli.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Hamilton Carli, Oswaldo Rodrigues de Melo e Paulo Alfeu Puccinelli.
Campo Grande, 13 de agosto de 2003.