TJMG. Cláusula penal. Arts. 408 a 416 do CC/2002. Moratória e compensatória. Interpretação. Sílvio de Salvo Venosa preleciona sobre as cláusulas penais moratória e compensatória: "De acordo com o art. 410 (antigo, art. 918), 'quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta reverter-se-à em alternativa a benefício do credor", isto é, o credor pode pedir o valor da multa ou o cumprimento da obrigação. Escolhida uma via, não pode o credor também exigir a outra. O devedor, pagando a multa, nada mais deve, porque ali já está fixada antecipadamente uma indenização pelo descumprimento da obrigação. Se a prestação não tem mais utilidade para o credor, só lhe restará cobrar a multa. Diferentemente opera a multa pela mora. Aqui, por sua natureza, a prestação sempre será útil para o credor. A multa atua como efeito intimidativo, para que o devedor não atrase o cumprimento de sua avença. Se o fizer, pagará a prestação de forma mais onerosa. É claro, também, que mesmo na multa moratória, existe uma forma de compensação para o credor, que recebe sua prestação tardiamente; no entanto, não é essa a natureza essencial da multa moratória. A questão principal nesse tema é que, pela própria natureza da cláusula penal moratória, não há que se confundir com a compensatória. Neste, se o credor optar pela cobrança da multa, não pode, em principio, cumulá-la com as perdas e danos: electa una via non datur regressum ad alteram (escolhida uma via, não se pode optar pela outra). Na multa compensatória, a opção será do credor. Se ele entender que seus prejuízos pelo inadimplemento foram mais vultosos que o valor da multa, partirá para a via das perdas e danos. Se, por outro lado, entender que a multa lhe cobre os prejuízos, ou, ainda, se não deseja submeter-se a custosa e difícil prova de perdas e danos, optará pela cobrança da multa. Geralmente, a parte inocente no contrato pedirá sua rescisão, cumulando tal pedido com a condenação no pagamento da multa" (Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.).
Integra do acórdão
Acórdão: Apelação Cível n. 1.0251.06.016686-4/001, da comarca de Extrema.
Relator: Des. José Flávio de Almeida.
Data da decisão: 14.11.2007.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÕES CONEXAS. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COBRANÇA. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. CLÁUSULAS PENAIS MORATÓRIA E COMPENSATÓRIA. - Reconhece-se o direito aos benefícios da justiça gratuita à parte, quando não consta dos autos posterior revogação do favor legal. - Optando o credor pela cobrança de cláusula penal moratória, impõe-se o afastamento de cláusula penal compensatória, sob pena de enriquecimento indevido da parte pela aplicação de dupla penalidade sobre o mesmo fato. - Não existindo relação de consumo, tampouco demonstrada a ocorrência de abusividade na cobrança da multa moratória, descabe a redução do seu percentual.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0251.06.016686-4/001 - COMARCA DE EXTREMA - APELANTE(S): IVONE BARBOSA DOS SANTOS E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): JESO MOREIRA DA COSTA - RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL
Belo Horizonte, 14 de novembro de 2007.
DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA:
VOTO
Cuida-se de recurso de apelação interposto por IVONE BARBOSA DOS SANTOS e JOSÉ LUIZ PEREIRA, nos autos de ação de reintegração de posse cumulada com ação de cobrança, conexa à ação de consignação em pagamento, contra a sentença de f. 78/81, integrada pela decisão de f. 85 que rejeitou os embargos declaratórios de f. 82/83, proferida pelo MM. Juiz da Vara Única da Comarca de Extrema, que concluiu:
"[...] julgo improcedentes os pedidos formulados nos autos da ação de reintegração de posse, e o faço [para] manter o contrato de compra e venda celebrado e a posse do imóvel em mãos de Jeso Moreira da Costa.
Condeno os autores no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, monetariamente corrigido desde a propositura da ação - STJ 14.
De outra parte, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na ação de consignação em pagamento, e o faço declarar subsistente a obrigação do autor no tocante aos juros [...] moratórios referentes à terceira parcela devida, em 2% de seu valor, desde a data da constituição em mora, ou seja, de interpelação extrajudicial.
Considerando que o autor sucumbiu em parte mínima do pedido, condeno os requeridos no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 a teor do CPC, 20 § 4º.
A expedição de guia de levantamento das importâncias depositadas nos autos da ação de consignação em pagamento ficará condicionada ao transito em julgado da presente sentença ou, se houver recurso, na hipótese de acórdão 'confirmatório', haja vista que, se assim for, deverá haver compensação de referidos valores com as verbas de sucumbência." (f. 80/81)
Inicialmente, ressalto que os apelantes estão amparados pelos benefícios da justiça gratuita, deferido pelo MM. Juiz de Direito Substituto, Dr. Luis Fernando de Oliveira Benfatti, às f. 27/28 e não consta nos autos posterior revogação do favor legal.
Se os apelantes são beneficiários da justiça gratuita o presente recurso está livre de preparo, razão pela qual merece conhecimento, visto que preenchidos os demais pressupostos para sua admissibilidade.
A matéria recursal devolvida a este Tribunal de Justiça diz respeito apenas à ação de consignação em pagamento, ajuizada pelo apelado, conexa à ação de reintegração de posse cumulada com cobrança, proposta pelos apelantes.
O MM. Juiz de Direito proferiu decisão simultânea para as ações conexas, nos termos do art. 105 do Código de Processo Civil.
Para a ação de reintegração de posse não houve inconformismo quanto à solução adotada pelo Juiz a quo, sendo certo que a sentença, nessa parte, transitou em julgado.
A controvérsia posta nos autos da ação de consignação em pagamento reclama a aplicação do art. 899 do Código de Processo Civil, no entanto os apelantes se insurgem somente quanto à redução da multa moratória sobre as parcelas consignadas em juízo pelo apelado, bem quanto ao afastamento da multa compensatória.
Compulsando os autos, vejo que o apelado, na contestação de f. 31/43, pede a redução da multa descrita na cláusula 7ª do contrato para 1% das parcelas restantes (f. 41) e o afastamento da multa constante no parágrafo único da Cláusula 2ª do contrato, alegando que "não é lícito aos Requerentes pleitearem o pagamento de duas multas a incidir sobre o mesmo fato".
Relativamente ao inconformismo dos apelantes quanto à redução da multa moratória, esclareço que a relação estabelecida nos autos não é de consumo, que invocaria a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, porque as partes não se enquadram no conceito de fornecedor (art. 3º) e consumidor (arts. 2º caput e Parágrafo Único, 17 e 29), ditados pelo Estatuto Consumerista.
Trata-se, pois, de operação de compra e venda de imóvel entre particulares, de caráter não habitual, traduzindo-se em relação jurídica regida pelo Código Civil.
Nesse ponto, a cláusula 2ª do "contrato particular de compromisso de compra e venda", f. 14/17, dispõe o seguinte:
"02-) Que os cedentes vendedores prometem em venda ao cessionário comprador, pelo preço certo e ajustado de R$ 30.000,00 (Trinta mil reais), que serão pagos em 30 (trinta) parcelas iguais de R$ 1.000,00 (hum mil reais) cada, representado por Nota Promissória a favor de Edson Cardoso Pereira, vencendo-se a primeira no dia 09 de setembro de 2.005 e as demais nos mesmos dias dos meses subseqüentes.
§ ÚNICO Este contrato rescindir-se-à de pleno direito se o cessionário comprador não efetuar quaisquer dos pagamentos na forma e prazos referidos na cláusula acima e desde que, notificado extrajudicialmente, não purgue a mora no prazo de 15 (quinze) dias, sendo que os cessionários vendedores somente poderá exigir a multa de 10% caso o pagamento ocorra após do décimo dia de atraso." (f. 15, sem os destaques do original)
O Código Civil considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer (art. 394). Entretanto, a mora é purgada quando o devedor oferece ao credor a quantia referente à prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes da mora (art. 401, I).
A cláusula 7ª do contrato dos autos estabelece o seguinte:
"07-) Fica estipulada uma multa, no valor de 20% sobre o valor do contrato para a parte que infringir qualquer cláusula deste contrato, independentemente de perdas e danos" (f. 16).
Com isso, verifico que as multas contratuais previstas se traduzem em cláusula penais, uma de caráter moratório outra de caráter compensatório.
O Código Civil dispõe que a cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora (art. 409) e que quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta será convertida em alternativa a benefício do credor (art. 410).
Sílvio de Salvo Venosa preleciona sobre as cláusulas penais moratória e compensatória:
"De acordo com o art. 410 (antigo, art. 918), 'quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta reverter-se-à em alternativa a benefício do credor", isto é, o credor pode pedir o valor da multa ou o cumprimento da obrigação. Escolhida uma via, não pode o credor também exigir a outra. O devedor, pagando a multa, nada mais deve, porque ali já está fixada antecipadamente uma indenização pelo descumprimento da obrigação.
Se a prestação não tem mais utilidade para o credor, só lhe restará cobrar a multa.
Diferentemente opera a multa pela mora. Aqui, por sua natureza, a prestação sempre será útil para o credor. A multa atua como efeito intimidativo, para que o devedor não atrase o cumprimento de sua avença. Se o fizer, pagará a prestação de forma mais onerosa. É claro, também, que mesmo na multa moratória, existe uma forma de compensação para o credor, que recebe sua prestação tardiamente; no entanto, não é essa a natureza essencial da multa moratória.
A questão principal nesse tema é que, pela própria natureza da cláusula penal moratória, não há que se confundir com a compensatória. Neste, se o credor optar pela cobrança da multa, não pode, em principio, cumulá-la com as perdas e danos: electa una via non datur regressum ad alteram (escolhida uma via, não se pode optar pela outra).
Na multa compensatória, a opção será do credor. Se ele entender que seus prejuízos pelo inadimplemento foram mais vultosos que o valor da multa, partirá para a via das perdas e danos. Se, por outro lado, entender que a multa lhe cobre os prejuízos, ou, ainda, se não deseja submeter-se a custosa e difícil prova de perdas e danos, optará pela cobrança da multa. Geralmente, a parte inocente no contrato pedirá sua rescisão, cumulando tal pedido com a condenação no pagamento da multa." (Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.).
Com relação ao efeito da cláusula penal compensatória na hipótese de total descumprimento da obrigação, Maria Helena Diniz acrescenta:
"Se se estipular uma cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, o credor poderá, ao recorrer às vias judiciais, optar livremente entre a exigência da pena convencional e o adimplemento da obrigação, visto que a cláusula penal se converterá em alternativa em seu benefício (RT, 310:160, 304:311, 278:270, 239:440, 154:772; Revista de direito, 90:146; Minas Forense, 20:17). Com isso, vedado estará acumular o recebimento da multa e o cumprimento da prestação (AJ, 107:386)" (Código Civil Anotado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 691)
Destarte, no caso dos autos, existindo estipulação de multa moratória, os contratantes expressamente consentiram a hipótese de ocorrência da mora, sendo certo que a incidência desse encargo afasta a aplicação da multa compensatória de 20%, sob pena de enriquecimento indevido dos apelantes ao imputar dupla penalidade ao devedor pelo mesmo fato.
Veja o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça:
"A cobrança da multa moratória e da comissão de permanência exclui a possibilidade de se pleitear o pagamento da multa compensatória, sob pena de se incorrer em bis in idem." (TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.05.663934-7/001, Rel. Des. Márcia de Paoli Balbino, Publicação: 01/12/2005)
Com efeito, descabe a aplicação da multa contida na Cláusula 7ª.
Entretanto, não estando caracterizada relação de consumo nos autos, tampouco demonstrada a ocorrência de abusividade na cobrança da multa moratória, não há que se falar em afastamento ou redução do encargo para o patamar de 2%.
Portanto, deve prevalecer apenas a multa moratória, no percentual contratado, sobre todas as parcelas consignadas em juízo pelo apelado, depositadas após o décimo dia do respectivo mês de vencimento, cujo montante deve ser apurado em liquidação por cálculo aritmético como preparação prévia para o cumprimento de sentença.
Às f. 20, 21, 25, 29, 58, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 71, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 80 e 81 (autos da ação de consignação em pagamento), constam os respectivos depósitos. De antemão, observo que apenas a parcela depositada à f. 80 foi efetuada dentro do prazo contratual.
Finalmente, no que toca à verba de sucumbência em primeira instância, o MM. Juiz de Direito, prolator da sentença recorrida, não agiu com o costumeiro acerto ao não suspender a exigibilidade do pagamento da verba aos apelantes.
Assim, quanto a esse ponto também merece provimento o recurso para suspender a exigibilidade da verba de sucumbência, mas não para retirar a condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, como pretendem os apelantes.
Nesse sentido, o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça:
"APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ISENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE POR 05 ANOS. ART. 12 DA LEI 1.060/50.
O beneficiário da justiça gratuita não tem direito à isenção do pagamento das verbas de sucumbência, mas à suspensão de seu pagamento, enquanto durar a situação de pobreza, pelo prazo máximo de cinco anos, findo o qual estará prescrita a obrigação, a teor do disposto no artigo 12 da Lei 1.060/50." (TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.05.747367-0/001, Rel. Des. Afrânio Vilela, Publicação: 22/09/2006)
CONCLUSÃO
Nos termos da fundamentação adotada, em observância ao artigo 93, inciso IX da Constituição da República e artigo 131 do Código de Processo Civil, DOU PARCAL PROVIMENTO AO RECURSO para reformar a sentença e manter a multa moratória, no percentual contratado de 10%, sobre todas as parcelas consignadas em juízo pelo apelado, depositadas após o décimo dia do respectivo mês de vencimento (f. 20, 21, 25, 29, 58, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 71, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 80 e 81), cujo montante, que configura o saldo líquido remanescente devido pelo apelado aos apelantes, deve ser apurado em liquidação por cálculo aritmético como preparação prévia para o cumprimento de sentença (§ 2º, art. 899, CPC).
Sobre cada parcela consignada em juízo após vencimento deve incidir correção monetária, de acordo com a tabela aprovada pela egrégia Corregedoria de Justiça, bem como juros de mora, à taxa legal.
Suspendo a exigibilidade do pagamento da verba de sucumbência em primeira instância aos apelantes e, no mais, mantenho a sentença.
Custas recursais, na proporção de 60%, pelos apelantes. O apelado arcará com os 40% restantes das custas em segunda instância, suspensa a exigibilidade do pagamento, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50, às partes.
A teor do que dispõe o § 1º do art. 899 do CPC, fica facultado aos apelantes o levantamento das quantias incontroversas consignadas em juízo.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): NILO LACERDA e ALVIMAR DE ÁVILA.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO PARCIAL
Relator: Des. José Flávio de Almeida.
Data da decisão: 14.11.2007.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÕES CONEXAS. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COBRANÇA. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. CLÁUSULAS PENAIS MORATÓRIA E COMPENSATÓRIA. - Reconhece-se o direito aos benefícios da justiça gratuita à parte, quando não consta dos autos posterior revogação do favor legal. - Optando o credor pela cobrança de cláusula penal moratória, impõe-se o afastamento de cláusula penal compensatória, sob pena de enriquecimento indevido da parte pela aplicação de dupla penalidade sobre o mesmo fato. - Não existindo relação de consumo, tampouco demonstrada a ocorrência de abusividade na cobrança da multa moratória, descabe a redução do seu percentual.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0251.06.016686-4/001 - COMARCA DE EXTREMA - APELANTE(S): IVONE BARBOSA DOS SANTOS E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): JESO MOREIRA DA COSTA - RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL
Belo Horizonte, 14 de novembro de 2007.
DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA:
VOTO
Cuida-se de recurso de apelação interposto por IVONE BARBOSA DOS SANTOS e JOSÉ LUIZ PEREIRA, nos autos de ação de reintegração de posse cumulada com ação de cobrança, conexa à ação de consignação em pagamento, contra a sentença de f. 78/81, integrada pela decisão de f. 85 que rejeitou os embargos declaratórios de f. 82/83, proferida pelo MM. Juiz da Vara Única da Comarca de Extrema, que concluiu:
"[...] julgo improcedentes os pedidos formulados nos autos da ação de reintegração de posse, e o faço [para] manter o contrato de compra e venda celebrado e a posse do imóvel em mãos de Jeso Moreira da Costa.
Condeno os autores no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, monetariamente corrigido desde a propositura da ação - STJ 14.
De outra parte, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na ação de consignação em pagamento, e o faço declarar subsistente a obrigação do autor no tocante aos juros [...] moratórios referentes à terceira parcela devida, em 2% de seu valor, desde a data da constituição em mora, ou seja, de interpelação extrajudicial.
Considerando que o autor sucumbiu em parte mínima do pedido, condeno os requeridos no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 a teor do CPC, 20 § 4º.
A expedição de guia de levantamento das importâncias depositadas nos autos da ação de consignação em pagamento ficará condicionada ao transito em julgado da presente sentença ou, se houver recurso, na hipótese de acórdão 'confirmatório', haja vista que, se assim for, deverá haver compensação de referidos valores com as verbas de sucumbência." (f. 80/81)
Inicialmente, ressalto que os apelantes estão amparados pelos benefícios da justiça gratuita, deferido pelo MM. Juiz de Direito Substituto, Dr. Luis Fernando de Oliveira Benfatti, às f. 27/28 e não consta nos autos posterior revogação do favor legal.
Se os apelantes são beneficiários da justiça gratuita o presente recurso está livre de preparo, razão pela qual merece conhecimento, visto que preenchidos os demais pressupostos para sua admissibilidade.
A matéria recursal devolvida a este Tribunal de Justiça diz respeito apenas à ação de consignação em pagamento, ajuizada pelo apelado, conexa à ação de reintegração de posse cumulada com cobrança, proposta pelos apelantes.
O MM. Juiz de Direito proferiu decisão simultânea para as ações conexas, nos termos do art. 105 do Código de Processo Civil.
Para a ação de reintegração de posse não houve inconformismo quanto à solução adotada pelo Juiz a quo, sendo certo que a sentença, nessa parte, transitou em julgado.
A controvérsia posta nos autos da ação de consignação em pagamento reclama a aplicação do art. 899 do Código de Processo Civil, no entanto os apelantes se insurgem somente quanto à redução da multa moratória sobre as parcelas consignadas em juízo pelo apelado, bem quanto ao afastamento da multa compensatória.
Compulsando os autos, vejo que o apelado, na contestação de f. 31/43, pede a redução da multa descrita na cláusula 7ª do contrato para 1% das parcelas restantes (f. 41) e o afastamento da multa constante no parágrafo único da Cláusula 2ª do contrato, alegando que "não é lícito aos Requerentes pleitearem o pagamento de duas multas a incidir sobre o mesmo fato".
Relativamente ao inconformismo dos apelantes quanto à redução da multa moratória, esclareço que a relação estabelecida nos autos não é de consumo, que invocaria a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, porque as partes não se enquadram no conceito de fornecedor (art. 3º) e consumidor (arts. 2º caput e Parágrafo Único, 17 e 29), ditados pelo Estatuto Consumerista.
Trata-se, pois, de operação de compra e venda de imóvel entre particulares, de caráter não habitual, traduzindo-se em relação jurídica regida pelo Código Civil.
Nesse ponto, a cláusula 2ª do "contrato particular de compromisso de compra e venda", f. 14/17, dispõe o seguinte:
"02-) Que os cedentes vendedores prometem em venda ao cessionário comprador, pelo preço certo e ajustado de R$ 30.000,00 (Trinta mil reais), que serão pagos em 30 (trinta) parcelas iguais de R$ 1.000,00 (hum mil reais) cada, representado por Nota Promissória a favor de Edson Cardoso Pereira, vencendo-se a primeira no dia 09 de setembro de 2.005 e as demais nos mesmos dias dos meses subseqüentes.
§ ÚNICO Este contrato rescindir-se-à de pleno direito se o cessionário comprador não efetuar quaisquer dos pagamentos na forma e prazos referidos na cláusula acima e desde que, notificado extrajudicialmente, não purgue a mora no prazo de 15 (quinze) dias, sendo que os cessionários vendedores somente poderá exigir a multa de 10% caso o pagamento ocorra após do décimo dia de atraso." (f. 15, sem os destaques do original)
O Código Civil considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer (art. 394). Entretanto, a mora é purgada quando o devedor oferece ao credor a quantia referente à prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes da mora (art. 401, I).
A cláusula 7ª do contrato dos autos estabelece o seguinte:
"07-) Fica estipulada uma multa, no valor de 20% sobre o valor do contrato para a parte que infringir qualquer cláusula deste contrato, independentemente de perdas e danos" (f. 16).
Com isso, verifico que as multas contratuais previstas se traduzem em cláusula penais, uma de caráter moratório outra de caráter compensatório.
O Código Civil dispõe que a cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora (art. 409) e que quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta será convertida em alternativa a benefício do credor (art. 410).
Sílvio de Salvo Venosa preleciona sobre as cláusulas penais moratória e compensatória:
"De acordo com o art. 410 (antigo, art. 918), 'quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta reverter-se-à em alternativa a benefício do credor", isto é, o credor pode pedir o valor da multa ou o cumprimento da obrigação. Escolhida uma via, não pode o credor também exigir a outra. O devedor, pagando a multa, nada mais deve, porque ali já está fixada antecipadamente uma indenização pelo descumprimento da obrigação.
Se a prestação não tem mais utilidade para o credor, só lhe restará cobrar a multa.
Diferentemente opera a multa pela mora. Aqui, por sua natureza, a prestação sempre será útil para o credor. A multa atua como efeito intimidativo, para que o devedor não atrase o cumprimento de sua avença. Se o fizer, pagará a prestação de forma mais onerosa. É claro, também, que mesmo na multa moratória, existe uma forma de compensação para o credor, que recebe sua prestação tardiamente; no entanto, não é essa a natureza essencial da multa moratória.
A questão principal nesse tema é que, pela própria natureza da cláusula penal moratória, não há que se confundir com a compensatória. Neste, se o credor optar pela cobrança da multa, não pode, em principio, cumulá-la com as perdas e danos: electa una via non datur regressum ad alteram (escolhida uma via, não se pode optar pela outra).
Na multa compensatória, a opção será do credor. Se ele entender que seus prejuízos pelo inadimplemento foram mais vultosos que o valor da multa, partirá para a via das perdas e danos. Se, por outro lado, entender que a multa lhe cobre os prejuízos, ou, ainda, se não deseja submeter-se a custosa e difícil prova de perdas e danos, optará pela cobrança da multa. Geralmente, a parte inocente no contrato pedirá sua rescisão, cumulando tal pedido com a condenação no pagamento da multa." (Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.).
Com relação ao efeito da cláusula penal compensatória na hipótese de total descumprimento da obrigação, Maria Helena Diniz acrescenta:
"Se se estipular uma cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, o credor poderá, ao recorrer às vias judiciais, optar livremente entre a exigência da pena convencional e o adimplemento da obrigação, visto que a cláusula penal se converterá em alternativa em seu benefício (RT, 310:160, 304:311, 278:270, 239:440, 154:772; Revista de direito, 90:146; Minas Forense, 20:17). Com isso, vedado estará acumular o recebimento da multa e o cumprimento da prestação (AJ, 107:386)" (Código Civil Anotado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 691)
Destarte, no caso dos autos, existindo estipulação de multa moratória, os contratantes expressamente consentiram a hipótese de ocorrência da mora, sendo certo que a incidência desse encargo afasta a aplicação da multa compensatória de 20%, sob pena de enriquecimento indevido dos apelantes ao imputar dupla penalidade ao devedor pelo mesmo fato.
Veja o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça:
"A cobrança da multa moratória e da comissão de permanência exclui a possibilidade de se pleitear o pagamento da multa compensatória, sob pena de se incorrer em bis in idem." (TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.05.663934-7/001, Rel. Des. Márcia de Paoli Balbino, Publicação: 01/12/2005)
Com efeito, descabe a aplicação da multa contida na Cláusula 7ª.
Entretanto, não estando caracterizada relação de consumo nos autos, tampouco demonstrada a ocorrência de abusividade na cobrança da multa moratória, não há que se falar em afastamento ou redução do encargo para o patamar de 2%.
Portanto, deve prevalecer apenas a multa moratória, no percentual contratado, sobre todas as parcelas consignadas em juízo pelo apelado, depositadas após o décimo dia do respectivo mês de vencimento, cujo montante deve ser apurado em liquidação por cálculo aritmético como preparação prévia para o cumprimento de sentença.
Às f. 20, 21, 25, 29, 58, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 71, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 80 e 81 (autos da ação de consignação em pagamento), constam os respectivos depósitos. De antemão, observo que apenas a parcela depositada à f. 80 foi efetuada dentro do prazo contratual.
Finalmente, no que toca à verba de sucumbência em primeira instância, o MM. Juiz de Direito, prolator da sentença recorrida, não agiu com o costumeiro acerto ao não suspender a exigibilidade do pagamento da verba aos apelantes.
Assim, quanto a esse ponto também merece provimento o recurso para suspender a exigibilidade da verba de sucumbência, mas não para retirar a condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, como pretendem os apelantes.
Nesse sentido, o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça:
"APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ISENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE POR 05 ANOS. ART. 12 DA LEI 1.060/50.
O beneficiário da justiça gratuita não tem direito à isenção do pagamento das verbas de sucumbência, mas à suspensão de seu pagamento, enquanto durar a situação de pobreza, pelo prazo máximo de cinco anos, findo o qual estará prescrita a obrigação, a teor do disposto no artigo 12 da Lei 1.060/50." (TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.05.747367-0/001, Rel. Des. Afrânio Vilela, Publicação: 22/09/2006)
CONCLUSÃO
Nos termos da fundamentação adotada, em observância ao artigo 93, inciso IX da Constituição da República e artigo 131 do Código de Processo Civil, DOU PARCAL PROVIMENTO AO RECURSO para reformar a sentença e manter a multa moratória, no percentual contratado de 10%, sobre todas as parcelas consignadas em juízo pelo apelado, depositadas após o décimo dia do respectivo mês de vencimento (f. 20, 21, 25, 29, 58, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 71, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 80 e 81), cujo montante, que configura o saldo líquido remanescente devido pelo apelado aos apelantes, deve ser apurado em liquidação por cálculo aritmético como preparação prévia para o cumprimento de sentença (§ 2º, art. 899, CPC).
Sobre cada parcela consignada em juízo após vencimento deve incidir correção monetária, de acordo com a tabela aprovada pela egrégia Corregedoria de Justiça, bem como juros de mora, à taxa legal.
Suspendo a exigibilidade do pagamento da verba de sucumbência em primeira instância aos apelantes e, no mais, mantenho a sentença.
Custas recursais, na proporção de 60%, pelos apelantes. O apelado arcará com os 40% restantes das custas em segunda instância, suspensa a exigibilidade do pagamento, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50, às partes.
A teor do que dispõe o § 1º do art. 899 do CPC, fica facultado aos apelantes o levantamento das quantias incontroversas consignadas em juízo.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): NILO LACERDA e ALVIMAR DE ÁVILA.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO PARCIAL