A propósito leciona Gustavo Tepedino: "A disciplina da quitação, com base no que ordinariamente acontece, admite as seguintes presunções legais de pagamento, todas relativas, suscetíveis, pois, de prova em contrário: i) quando se tratar de pagamento em quotas periódicas, o pagamento da última parcela faz presumir o das anteriores (art. 322); (...) (...) A questão, no fundo, é de distribuição do ônus da prova, pois, se a regra for aplicada, incumbe ao credor comprovar o inadimplemento, ao passo que, se for ela afastada, o ônus de fazer a prova do pagamento compete ao devedor. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: Pode o credor recusar a última prestação periódica, estando em débito parcelas anteriores, uma vez que, ao aceitar, estaria assumindo o ônus de desfazer a presunção juris tantum prevista no art. 943 do Código Civil, atraindo para si o ônus da prova. Em outras palavras, a imputação do pagamento, pelo devedor, na última parcela, antes de oferecidas as anteriores, devidas e vencidas, prejudica o interesse do credor, tornando-se legítima a recusa no recebimento da prestação" (STJ, 4ª T., REsp. 225.435, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julg. 22.02.2000, publ. DJ 19.06.2000). A referência, posto que ao art. 943, do CC1916, não está prejudicada em relação ao art. 322 do CC, que lhe repete as palavras.
Íntegra do acórdão
Acórdão: Apelação Cível n. 1.0024.06.075377-9/001, da comarca de Belo Horizonte.
Relator: Des. Bitencourt Marcondes.
Data da decisão: 09.08.2007.
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. INCLUSÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. PARCELAS PERIÓDICAS. DÍVIDA QUITADA. DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS MORATÓRIOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I - A inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito, após o pagamento do débito, caracteriza a prática de ato ilícito, a ensejar a indenização por danos morais, independentemente da comprovação do prejuízo. II - Quando se trata de pagamento em parcelas periódicas, a quitação da última parcela faz presumir o pagamento das anteriores (art. 322, do Código Civil de 2002), cabendo ao credor o ônus de desfazer a presunção relativa de pagamento da dívida. III - Ausente a prova da inadimplência, presume-se quitada a dívida. IV - O valor da indenização por danos morais deve ter caráter dúplice, tanto punitivo do agente, quanto compensatório em relação à vítima, que tem direito ao recebimento de quantia que lhe compense a dor e a humilhação sofridas, e arbitrada segundo as circunstâncias do caso concreto. V - A correção monetária deve incidir a partir da data de fixação da indenização, ao passo que os juros moratórios (1% ao mês) aplicam-se a partir da publicação do acórdão.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.06.075377-9/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): BANCO PANAMERICANO S/A - APELADO(A)(S): AGRINALDO FERREIRA DE MORAES - RELATOR: EXMO. SR. DES. BITENCOURT MARCONDES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PARCIAL PROVIMENTO, VENCIDO PARCIALMENTE O RELATOR.
Belo Horizonte, 09 de agosto de 2007.
DES. BITENCOURT MARCONDES - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo BANCO PANAMERICANO S/A em face da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Marcos Lincoln dos Santos, da 12ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que julgou procedente a ação de indenização por danos morais ajuizada por AGRINALDO FERREIRA DE MORAES, para condenar a ré ao pagamento da quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a título de indenização por danos morais, com incidência de correção monetária, pelos índices da Tabela da Corregedoria Geral de Justiça, e juros moratórios de 1% ao mês, ambos a partir da prolação da sentença.
Pleiteia a reforma in totum da sentença, pelos seguintes motivos:
- não há, nos autos, prova do pagamento da parcela cujo inadimplemento ensejou a inscrição do nome do apelado nos cadastros de proteção ao crédito;
- o apelado não faz jus ao recebimento de indenização por danos morais, pois o apontamento nos órgãos restritivos caracteriza-se como exercício regular de direito, haja vista a inadimplência;
- não ficou demonstrado o prejuízo decorrente do apontamento restritivo.
Requer, em decorrência do princípio da eventualidade, a redução do valor arbitrado, a título de indenização por danos morais.
Conheço do recurso, uma vez presentes os pressupostos de admissibilidade.
I - DO OBJETO DO RECURSO
Insurge-se a recorrente em face da sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais, argumentando a inexistência de ilicitude na inscrição do nome do apelado nos cadastros de proteção ao crédito, pois não quitou a integralidade da dívida.
A inscrição do nome do devedor inadimplente nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito caracteriza-se como exercício regular do direito do credor, entretanto, não se pode olvidar, a manutenção do registro somente é possível enquanto perdurar a inadimplência; assim, quitada a dívida, a exclusão do apontamento é medida que se impõe, sob pena de ficar configurado abuso de direito.
Sem embargo, a manutenção do nome do devedor nos referidos cadastros após o pagamento do débito, torna a inscrição indevida, e, via de conseqüência, caracteriza a prática de ato ilícito, a ensejar indenização por danos morais.
Pela análise detida dos autos, é possível verificar que, no presente caso, o apelado contraiu empréstimo junto à instituição financeira apelante, no valor de R$ 1.074,96, a ser pago em oito parcelas de R$ 134,37 (fls. 26).
A sétima parcela, vencida em 20/06/2001, foi paga por meio do cheque nº 850106, o qual foi devolvido por insuficiência de fundos (motivo "12"), conforme se depreende pelo documento de fls. 08.
Desse modo, a princípio, lícita a inscrição do nome do apelado nos cadastros de proteção ao crédito, haja vista a inadimplência, no entanto, o recibo de pagamento acostado às fls. 07 comprova que, em 20/07/2001, o autor quitou a oitava parcela do contrato e "liquidou o plano".
Assim, a existência do apontamento restritivo, após a quitação da última parcela, caracteriza ato ilícito, e, via de conseqüência, faz surgir o dever de indenizar os danos morais sofridos pelo devedor.
Ressalte-se que, no caso vertente, a inclusão do nome do apelado no SPC ocorreu em 12/06/2004 (fls. 09), isto é, após a quitação do débito; assim, a ilicitude do ato praticado pela instituição financeira não reside na manutenção indevida do apontamento restritivo, mas sim na própria inscrição, que foi efetuada com base em dívida já paga e, portanto, inexistente, pois, como cediço, o pagamento é forma de extinção das obrigações.
A apelante sustenta que o apelado não comprovou ter quitado a sétima parcela, pois não acostou aos autos qualquer documento capaz de demonstrar o pagamento.
Sem respaldo tal alegação, pois, quando se trata de pagamento em parcelas periódicas, a quitação da última parcela faz presumir o pagamento das anteriores, a teor do disposto no art. 322, do Código Civil de 2002 (antigo art. 943, do CC/1916), in verbis:
"Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores."
Assim, na verdade, caberia à apelante comprovar a ausência do pagamento, pois, ao aceitar o recebimento da última parcela, sem ressalvas, assumiu o ônus de desfazer a presunção relativa de quitação da dívida.
A propósito leciona Gustavo Tepedino:
"A disciplina da quitação, com base no que ordinariamente acontece, admite as seguintes presunções legais de pagamento, todas relativas, suscetíveis, pois, de prova em contrário: i) quando se tratar de pagamento em quotas periódicas, o pagamento da última parcela faz presumir o das anteriores (art. 322); (...)
(...)
A questão, no fundo, é de distribuição do ônus da prova, pois, se a regra for aplicada, incumbe ao credor comprovar o inadimplemento, ao passo que, se for ela afastada, o ônus de fazer a prova do pagamento compete ao devedor. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "Pode o credor recusar a última prestação periódica, estando em débito parcelas anteriores, uma vez que, ao aceitar, estaria assumindo o ônus de desfazer a presunção juris tantum prevista no art. 943 do Código Civil, atraindo para si o ônus da prova. Em outras palavras, a imputação do pagamento, pelo devedor, na última parcela, antes de oferecidas as anteriores, devidas e vencidas, prejudica o interesse do credor, tornando-se legítima a recusa no recebimento da prestação" (STJ, 4ª T., REsp. 225.435, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julg. 22.02.2000, publ. DJ 19.06.2000). A referência, posto que ao art. 943, do CC1916, não está prejudicada em relação ao art. 322 do CC, que lhe repete as palavras." 1
No presente caso, a apelante não somente aceitou o pagamento da oitava e última parcela da dívida, como passou recibo de quitação do contrato, ao mencionar que o apelado havia liquidado o plano, conforme exposto alhures.
Assim e considerando que a apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar a inadimplência - o documento de fls. 26 não é capaz de demonstrar tal fato - conclui-se pela ilicitude da inscrição do nome do apelado nos cadastros de proteção ao crédito, por ter sido realizada após a quitação da última parcela do contrato, conforme se depreende do documento de fls. 09.
Desse modo, o apelado faz jus ao recebimento de indenização por danos morais, que, na esteira dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, existem in re ipsa, quer dizer, decorrem do próprio ato, prescindido da comprovação do prejuízo no caso concreto.
Nesse sentido:
"EMENTA: CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO NO CADASTRO DE DEVEDORES DO SERASA. IRRELEVÂNCIA DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.
A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto.
A existência de vários registros, na mesma época, de outros débitos dos recorrentes, no cadastro de devedores do SERASA, não afasta a presunção de existência do dano moral, que decorre in re ipsa, vale dizer, do próprio registro de fato inexistente.
Hipótese em que as instâncias locais reconheceram categoricamente que foi ilícita a conduta da recorrida em manter, indevidamente, os nomes dos recorrentes, em cadastro de devedores, mesmo após a quitação da dívida.
Recurso conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido.2.
Fixada a premissa de que a indenização por danos morais é devida, cumpre analisar a questão acerca do quantum indenizatório, e, nesse contexto, esclareço que doutrina e jurisprudência inclinam-se no sentido de conferir à indenização por danos morais caráter dúplice, tanto punitivo do agente quanto compensatório em relação à vítima 3.
Desse modo, a vítima de lesões a direitos de natureza não patrimonial deve receber uma soma que lhe compense a dor e a humilhação sofrida, e arbitrada segundo as circunstâncias. Não deve ser fonte de enriquecimento, nem ser inexpressiva.
É que os danos morais, como é sabido, não resultam de diminuição patrimonial, mas de dor, de desconforto. Comenta o jurista Carlos Alberto Bittar, citado pelo Desembargador Hyparco Immesi, relator do acórdão proferido pela Quarta Câmara Cível, no âmbito da apelação cível nº 1.0000.00.335350/000, verbis:
"Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador; havendo- se, portanto, como tais, aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)." 4
E mais adiante conclui:
"Com isso, os danos morais plasmam-se no plano fático, como lesões às esferas da personalidade humana situadas no âmbito do ser como entidade pensante, reagente e atuante nas interações sociais, ou conforme os Mazeaud, como atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade."
A considerar o exposto acima bem como as circunstâncias do caso concreto, notadamente o valor da dívida (R$ 134,37), tenho que o valor da indenização fixado na sentença - R$ 6.000,00 - se apresenta elevado, devendo ser reduzido para R$ 4.500,00.
A correção monetária deve incidir a partir desta decisão, ao passo que os juros moratórios (1% ao mês) aplicam-se desde a citação (art. 219, do Código de Processo Civil), pois se trata de responsabilidade contratual.
Nesse sentido, pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"EMENTA: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEDA DE ÔNIBUS. DANO MORAL. REDUÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. INCIDÊNCIA. A PARTIR DA CITAÇÃO. FIXAÇÃO. 0,5% ATÉ O NOVO CÓDIGO CIVIL E 1% APÓS SUA VIGÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MULTA. EXCLUSÃO. VERBETE Nº 7 DA SÚMULA DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NO PONTO, PROVIDO.
1 - O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que evidente exagero ou manifesta irrisão na fixação, pelas instâncias ordinárias, viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo possível, assim, a revisão da aludida quantificação.
2 - Em se tratando de responsabilidade contratual, os juros moratórios devem incidir a partir da citação. Precedentes.
(...)" 5
II - CONCLUSÃO
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso de apelação, apenas para reduzir o valor da indenização para R$ 4.500,00, com a incidência de correção monetária, pelos índices da Tabela da Corregedoria-Geral de Justiça, a partir dessa data, e juros moratórios de 1% ao mês, estes a partir da citação.
Custas, ex lege.
O SR. DES. JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES:
VOTO
Peço escusas ao eminente Des. Relator para dele divergir apenas no tocante ao termo inicial da incidência de juros de mora.
Tratando-se de ação que contém dano moral, e conforme entendimento já manifestado em outras épocas, não existe mora, já que o valor arbitrado somente é líquido e certo a partir do pronunciamento judicial final. A propósito veja-se a jurisprudência do STJ:
"Processual Civil. Homologação em liquidação de sentença. Valor certo de dano moral arbitrado na decisão exeqüenda. Imutabilidade da coisa julgada. Consectários (juros e correção monetária) incidentes a partir da cota da decisão exeqüenda.
III - omissis
IV - o valor certo fixado, na sentença exeqüenda, quanto ao dano moral, tem seu termo a quo para o cômputo dos consectários (juros e correção monetária) a partir da prolação do título exeqüendo (sentença) que estabeleceu aquele valor líquido - precedentes do STJ.
V - omissis". (RSTJ 112/184. Rel. Min. Waldemar Zveiter)
Assim, estipulado o título exeqüendo no acórdão, os juros de mora deverão incidir a partir de sua publicação, motivo pelo qual estou DANDO PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, com divergência.
O SR. DES. MOTA E SILVA:
VOTO
De acordo com o eminente Revisor.
SÚMULA : DERAM PARCIAL PROVIMENTO, VENCIDO PARCIALMENTE O RELATOR.
1 TEPEDINO, Gustavo, et al. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República. Vol. I. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2004. p. 617/618.
2 STJ. RESP nº 196.024/MG. 4ª Turma. Rel. Min. César Asfor Rocha. DJ 02/08/1999.
3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1989, p. 67.
4 TJMG - Apelação Cível nº 1.0000.00.335350/000 - 4ª Cam. Cível - Rel. Des. HYPARCO IMMESI, j. em 27/11/2003).
5 STJ. REsp 437614 / SP. 4ª Turma. Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA. DJ 05.02.2007.