O rito dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, mera administração judicial de interesses privados, presta-se apenas à solução de controvérsias entre interessados, não sendo adequado para resolver lides, onde a incerteza do direito exige o procedimento contencioso do rito comum.
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Apelação Cível n. 2.0000.00.315119-3/000, de Piumhi.
Relator: Des. Nepomuceno Silva.
Data da decisão: 10.09.2002.
Número do processo: 2.0000.00.315119-3/000(3)
Relator: NEPOMUCENO SILVA
Relator do Acórdão: Não informado
Data do Julgamento: 10/09/2002
Data da Publicação: 02/12/2000
EMENTA: PROCESSO CIVIL - JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL - INADEQUAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE LIDE - CARÊNCIA DE AÇÃO. O rito dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, mera administração judicial de interesses privados, presta-se apenas à solução de controvérsias entre interessados, não sendo adequado para resolver lides, onde a incerteza do direito exige o procedimento contencioso do rito comum.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 315.119-3, da Comarca de PIUMHI, sendo Apelante(s): CORINA DE REZENDE BARBOSA e Apelado(a)(os)(as): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS,
ACORDA, em Turma, a Primeira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais DE OFÍCIO, EXTINGUIR O PROCESSO.
Presidiu o julgamento o Juiz MOREIRA DINIZ e dele participaram os Juízes NEPOMUCENO SILVA (Relator), GOUVÊA RIOS (Revisor) e VANESSA VERDOLIM ANDRADE (Vogal).
Belo Horizonte, 10 de setembro de 2002.
JUIZ NEPOMUCENO SILVA
Relator
JUIZ GOUVÊA RIOS
Revisor
V O T O S
O SR. JUIZ NEPOMUCENO SILVA:
Próprio e tempestivo, conheço do recurso.
Trata-se de apelação manejada por CORINA DE REZENDE BARBOSA, contra sentença (fl. 33-35-TA) proferida pela MMa. Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Piumhi, nos autos do PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL ali proposto em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, a qual, após embargos declaratórios, acolheu prescrição argüida, julgando improcedente o pedido, condenando a apelante no pagamento das custas e despesas processuais, suspensa a exigibilidade, ex vi do art. 12 da Lei 1.060/50.
Corporifica-se a insurgência da apelante nas razões recursais (fl. 39-42-TA), argumentando que a prescrição teria, por dies ad quem, a data de 01-04-99.
Devidamente intimado, o apelado apresentou contra-razões em infirmação óbvia (fl. 54-57).
Após conflito negativo de competência entre o eg. TRF da 1ª Região e este Tribunal de Alçada de Minas Gerais, o Colendo STJ decidiu-se pela competência deste Sodalício para conhecer e julgar o recurso (fl. 102-103).
Parecer da douta PGJ pela prescrição e improvimento da apelação.
Este o relato, no essencial.
O pedido inicial foi de expedição de alvará judicial para levantamento de diferenças pagas, mas ainda não recebidas, em favor da ora apelante junto ao INSS.
O pedido seguiu, até aqui, o rito dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, levando-se em consideração o argumento inicial da apelante de que o crédito já existia à sua disposição, bastando apenas seu recebimento.
Assevere-se que, apesar da norma do art. 1.104 DO CPC, em momento algum, a apelante trouxe aos autos prova de que há ou houve valores depositados em seu nome, ou de seu marido, e retidos pelo INSS, sendo certo que os documentos de fl. 43-45 relacionam-se, apenas, aos pagamentos do benefício de aposentadoria recebidos pelo Sr. Rufino Matias Corrêa, não se vislumbrando, ali, nada que comprove a alegação inicial de diferenças à disposição.
Ressalte-se que para o pedido inicialmente posto, o procedimento previsto nos arts. 1.103 e seguintes do CPC seria o perfeito e adequado, já que haveria apenas controvérsia sobre a legitimidade para o saque das importâncias supostamente depositadas, legitimamente esta que seria atestada pelo Judiciário, via alvará, em sua função de administração de interesses privados para a solução de mera controvérsia.
No entanto, no curso processual, vislumbra-se que o intento da apelante é o reconhecimento pela Autarquia-apelada de seu direito subjetivo às diferenças do benefício sobre a aposentadoria do já falecido marido.
A administração de interesses privados é característica da jurisdição voluntária, descabendo nela dirimir controvérsias, como a posta, sabendo-se que ela é marcada pela existência de mera controvérsia, ao passo que a contenciosa tem por substrato uma situação litigiosa. Aqui houve uma autêntica lide, pois o INSS resiste ao direito às diferenças pretendidas, alegando, inclusive, a prescrição, instituto típico das ações condenatórias, em que a certeza do direito somente ressai de um processo contencioso.
Trago a lume a lição de José Frederico Marques, verbis:
"Pressuposto da jurisdição voluntária é, assim, um negócio ou ato jurídico, e não, como acontece na jurisdição contenciosa, uma lide ou situação litigiosa." (Instituições de Direito Processual Civil, 1ª ed. Atualizada, vol. I, p. 306, Millennium).
Inadequada, pois a via eleita pela apelante para atingir o escopo pretendido, ressaindo inequívoca sua carência de ação, em face da ausência do interesse de agir (art. 3º do CPC).
Ante tais expendimentos, reiterando vênia, de ofício, declaro a apelante carecedora de ação para extinguir o processo, nos termos do art. 267, VI, do CPC.
Custas, pela apelante, suspensa sua exigibilidade, ex vi do art. 12 da Lei nº 1.060/50.
O SR. JUIZ GOUVÊA RIOS:
A r. sentença singular de fls. 33/35 também está a extinguir o processo, eis que viu presente a prescrição.
A pretensão inicial veio como Alvará Judicial, que integra a jurisdição voluntária. Em assim sendo, como presente no voto do em. Relator, não há que se discutir sobre direito subjetivo a diferença de benefício, que integra a moldura do contencioso.
O príncipe dos processualistas pátrios, JOSÉ FREDERICO MARQUES, quando defendeu tese para a cátedra de "Direito Judiciário Civil", na PUC/SP, em 1.952, escolheu como tema a jurisdição voluntária. Esse monumental trabalho, atualizado por Ovídio Rocha Barros Sandoval ("Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária") restou reeditado pela Millennium Editora - 2000.
Naquela obra, à página 65, assim se expressa o pranteado jurista, verbis:
"A natureza administrativa da jurisdição voluntária, admitida por grande número de doutrinadores, afigura-se-nos indiscutível. O Estado, quando intervém, através do juiz, para realizar as funções da denominada jurisdição voluntária, não atua com o intuito de fazer obedecer a ordem jurídica, nem para dirimir um litígio ou pretensão. Desta, forma, é evidente que a jurisdição voluntária nada tem de jurisdicional, porque os atos que se exigem para integrar ou alterar uma relação jurídica não se fundam em interesse de agir, consistente na necessidade da tutela por incerteza sobre uma relação jurídica, ou por lesão a direito individual".
Ante tão contundente lição, mais não há por se dizer.
Acompanho o em. Relator.