É direito do devedor exigir, após o adimplemento de sua obrigação, a devolução das notas promissórias dadas como garantia contratual, na forma do parágrafo único do artigo 901 do Código Civil.
Íntegra do v. acórdão:
Acórdão: Apelação Cível n. 2010.061411-6, de Guaramirim.
Relator: Des. Guilherme Nunes Born.
Data da decisão: 14.02.2013.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL – TRESPASSE. PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. MÉRITO. RECURSO DA EMBARGADA. OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS ANTES DO CONTRATO DE TRESPASSE. PACTUAÇÃO VERBAL DE ASSUNÇÃO DESTA. INCUMBÊNCIA PELO COMPRADOR NÃO COMPROVADA. PREVISÃO CONTRATUAL DE RESPONSABILIDADE DO VENDEDOR. ÔNUS PROBATÓRIO DESCUMPRIDO. Alicerçada a pretensão de eximir-se do adimplemento das obrigações assumidas antes do contrato de trespasse, incumbe à autora comprovar de modo cabal suas alegações. Se não produz essa prova (ao revés, há previsão contratual que são de sua responsabilidade), como lhe toca a teor do disposto no artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil, resta inviabilizado o acolhimento de seu pedido. RECURSO DA EMBARGADA IMPROVIDO. RECURSO DO EMBARGANTE. NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS COMO GARANTIA CONTRATUAL. ADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO. DEVER DE ENTREGA DOS TÍTULOS. EXEGESE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 901 DO CÓDIGO CIVIL. É direito do devedor exigir, após o adimplemento de sua obrigação, a devolução das notas promissórias dadas como garantia contratual, na forma do parágrafo único do artigo 901 do Código Civil. RECURSO DO EMBARGANTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.061411-6, da comarca de Guaramirim (1ª Vara), em que são aptes/apdos Silvana Carina Fritzen e Hilário Fiamoncini:
A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos, negar provimento ao da embargada e dar provimento ao do embargante para determinar que a embargada deposite em Juízo as notas promissórias emitidas com base na cláusula 3ª do contrato firmado entre as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, contados do pagamento do valor da condenação fixada na sentença. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 14 de fevereiro de 2013, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Cláudio Valdyr Helfenstein, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Jânio Machado.
Florianópolis, 14 de fevereiro de 2013.
Guilherme Nunes Born
RELATOR
RELATÓRIO
1.1) Da inicial
Silvana Carina Fritzen ajuizou \"ação de execução por título extrajudicial\" em face de Hilário Fiamoncini alegando, em síntese, que vendeu seu estabelecimento comercial ao réu pelo valor de R$ 36.000,00, \"incluido no preço os móveis e utensílios que guarnecem o mesmo estabelecimento\" (fl. 03), o qual deu como entrada a quantia de R$ 10.000,00 e se comprometeu a pagar o restante em duas parcelas de R$ 9.000,00 e outra de R$ 8.000,00.
Aduziu que, mesmo vencidas, as parcelas não foram adimplidas pelo réu, existindo um saldo inadimplido de R$ 28.274,83. Assim, requereu a constituição dos documentos da exordial em título executivo para posteriormente buscar satisfazer a dívida.
1.2) Dos embargos monitórios
Citado, o réu apresentou resposta, na forma de embargos monitórios (fls. 41/49) alegando, em suma, que conforme consta da cláusula 2ª do contrato, era obrigação da embargada entregar o estabelecimento comercial livre de quaisquer ônus ou compromissos assumidos com data anterior à 15/05/2003.
Aduziu que, mesmo diante desta pactuação, teve que suportar R$ 25.774,30 de dívidas contraídas antes de 15/05/2003 pela autora, as quais estavam inadimplidas, conforme faz prova com os documentos juntados. Disse que, quando firmou o contrato, foram dadas três notas promissórias em favor da autora, a qual, mesmo após o embargante saldar o passivo da empresa, se recusou a entregá-las.
Por fim, requereu a compensação das dívidas e a condenação da autora na forma do artigo 940 do Código Civil, além da improcedência do pleito inaugural.
1.3) Do encadernamento processual
Em análise preliminar da ação, a Magistrada Karen Francis Schubert determinou a emenda da inicial em razão do documento acostado na exordial não se enquadrar nas hipóteses do artigo 585 do CPC.
Impugnação aos embargos monitórios às fls. 146/148.
Realizada audiência de instrução e julgamento (fl. 157), foram inquiridas três testemunhas (fls. 158/161).
As partes apresentaram suas respectivas razões finais (fls. 163/165 e 166/169).
1.4) Da sentença
No ato compositivo da lide (fls. 170/172), proferido em 03/05/2010, o Juiz de Direito Gustavo Schwingel julgou parcialmente procedente os embargos monitórios para \"reconhecer a compensação de créditos, restando no procedimento monitório o crédito em favor do autor no valor de R$ 4.936,58, corrigidos monetariamente pelo INPC desde o vencimento em 20.06.2003 e com juros de mora e 1% ao mês desde a citação (29.10.2007) que atualmente corresponde a R$ 8.931,23 (cálculos integram a presente sentença). Tendo em vista a incontrovérsia sobre parte faltante da dívida a ser quitada pelo embargado e, que foram acolhidos os pleitos do procedimento, cabe ao embargante proceder ao pagamento de imediato da parte certa, nos termos do art. 475-J do CPC, contanto do prazo de 15 dias a partir da presente intimação de sentença. Ante a procedência dos embargos, resta a parte embargada condenada ao pagamento das custas e honorários advocatícios no total de R$ 1.000,00 corrigido monetariamente pelo INPC e com juros de mora de 1% ao mês a partir do presente arbitramento\".
1.5) Dos recursos
Irresignadas, ambas as partes ofertaram recurso de Apelação Cível.
1.5.1) Das razões da embargada
A embargada apelante/apelada, em suas razões recursais (fls. 176/183), reiterando a tese exposta nas razões finais, solicitou que a venda do estabelecimento comercial se deu abaixo da avaliação, pois inclusas as despesas pendentes. Além disso, disse que a interpretação dada à cláusula 2ª esta equivocada, porquanto engloba as dívidas vencidas antes de 15/05/2003 e exclui as pendentes de vencimentos. Desta forma pediu a reforma da sentença.
1.5.2) Das razões do embargante
O embargante, ao seu tempo (fls. 185/190), defendeu a possibilidade e necessidade de ser determinada a devolução das notas promissórias que assinou, conforme estampado na cláusula 3ª do contrato, porquanto inexistente as dívidas retratadas naqueles documentos.
1.6) Das contrarrazões
Contrarrazões do embargante às fls. 195/200. A embargada não ofertou contrarrazões (certidão de fl. 201).
A Quarta Câmara de Direito Civil, em acórdão da lavra do Des. Eládio Torret Rocha, declinou da competência para uma das Câmaras de Direito Comercial deste Tribunal de Justiça (fls. 206/210).
Após, ascenderam os autos a este Colegiado.
Este é o relatório.
VOTO
2.1) Do objeto recursal
A celeuma cinge-se na interpretação da cláusula 2ª do pacto firmado entre as partes e na possibilidade de buscar a devolução das notas promissórias.
2.2) Do juízo de admissibilidade
Conheço do recursos porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertados a tempo e modo, recolhidos os devidos preparos e evidenciados os objetos e as legitimações.
2.3) Do mérito
2.3.1) Do pagamento da dívida – recurso da embargada
Restou incontroverso nos autos que as partes celebraram um contrato de trespasse no valor de R$ 35.000,00, tendo sido pago R$ 10.000,00 de entrada e o restante deveria ser pago em duas prestações de R$ 9.000,00 mais uma de R$ 8.000,00, o que não ocorreu.
A justificativa para a inadimplência do comprador apelado/apelante é a existência de dívidas pretéritas a compra do estabelecimento comercial, as quais totalizaram R$ 21.063,42 e foi obrigado a saldá-las. Tanto que postulou sua compensação.
Em contrapartida, a apelante/apelada diz que \"a interpretação que se deve dar a cláusula seguindo do contrato de compra e venda é de que a apelante não deixou dívidas já vencidas no ato da assinatura do contrato, porém, as faturas que viessem a ser recebidas seriam pagas pelo apelado, até mesmo porque os remédios faziam parte do estoque da farmácia, e não faz nenhum sentido a apelante pagar pelos remédios que ficaram na farmácia para o apelado vender\" (fl. 182).
Logo, a discussão central está na obrigação das dívidas originadas por compras de produtos antes do contrato firmado entre as partes. Acerca desta responsabilidade, dispõe a cláusula 2ª do pacto (fl. 07):
2º - O estabelecimento é entregue ao segundo contratante livre de quaisquer ônus ou compromissos assumindo (sic) com data anterior à 15/05/2003 o primeiro contratante tem compromisso de saldar todas as dívidas ativas e passivas. (grifei).
Da análise da referida cláusula, resta claro que a responsabilidade pelas obrigações assumidas antes do contrato de trespasse (15/05/2003) era da apelante/apelada, vendedora, e não do comprador apelado/apelante.
A tese defensiva de que o comprador assumiu a obrigação de quitação destas dívidas, uma vez que o preço negociado seria cerca de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a menor da avaliação, consubstanciada no depoimento da testemunha Salésio Joaquim Dirksen (fl. 158) não merece amparo pois, além de não demonstrar a qualificação de avaliador da testemunha, esta só emitiu a opinião de que \"ela valeria em torno de 35 mil e 45 mil reais. Afora isso, nada restou consignado no contrato neste sentido.
Bem pontuou o Magistrado a quo:
\"Destaco que a tese de que o valor do bem seria superior ao escrito e que de forma verbal as partes acertaram que ao embargante caberia o pagamento de todas as dívidas não merece acolhimento.
Primeiro porque a despeito de haver sido contratado R$ 36.000,00 no papel pelo bem, se somados os valores sem correção pagos pelo embargante (R$ 21.063,42 + R$ 10.000,00 = R$ 31.063,42), denotaríamos que restariam pendentes ainda cerca de R$ 4.936,58 em favor do embargado.
Agora, se ao invés disso, somarmos as dívidas aos valores ainda devidos (que é o que o embargado quer fazer crer que o contrato englobava tanto as dívidas retroativas, além do valor pactuado), denotaríamos a existência de uma venda pelo valor de R$ 57.063,42, montante muito superior até mesmo aos R$ 45.000,00 alegados pela testemunha Salésio.
Assim, não há como acolher a tese do embargado de que a dívida englobava o contrato, uma vez que o valor do bem fica em muito superior à própria avaliação do postulante, não havendo razão para o embargante comprar algo com superfaturamento em favor do embargado no total de R$ 12.063,42.
Neste tocante, confirma-se o que está escrito no contrato, sendo que ficava a cargo do embargado o pagamento das dívidas contraídas anteriormente à venda, mesmo que o vencimento fosse posterior.
Tendo o embargante pago estes valores, faz jus a compensação dos R$ 21.063,42 da dívida de R$ 26.000,00.
Ressalto que a despeito dos argumentos acima, a versão de Salésio mostra-se contraditória com o das demais testemunhas, uma vez que pelo relato daquele, o contrato havia sido redigido e impresso na farmácia, enquanto pelo relato das demais testemunhas, este foi redigido em escritório.
Percebe-se, portanto, que Salésio nitidamente visa auxiliar seu antigo empregador, não merecendo crédito sua versão no tocante às dívidas.
No entanto, por ser gritante a contradição e tentativa de auxílio, deixo de instaurar procedimento criminal, pois não foi capaz de ludibriar este Juízo\". (fls. 170/171).
A regra basilar de que o ônus da prova incumbe a quem alega é perfeitamente aplicável à espécie, por caracterizar fato constitutivo do direito da parte autora, como se traduz do art. 333, inciso I, do CPC.
A respeito, ensina Cândido Rangel Dinamarco:
\"Ônus da prova é o encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a serem proferidas no processo.
(...)
Segundo o art. 333 do Código de Processo Civil, cabe ao autor a prova relativa aos fatos constitutivos de seu alegado direito (inc. I) e ao réu, a dos fatos que de algum modo atuem ou tenham atuado sobre o direito alegado pelo autor, seja impedindo que ele se formasse, seja modificando-o ou mesmo extinguindo-o (inc. II; fatos impeditivos, modificativos ou extintivos - supra, n. 524). A síntese dessas disposições consiste na regra de que o ônus da prova incumbe à parte que tiver interesse no reconhecimento do fato a ser provado (Chiovenda), ou seja, àquela que se beneficie desse reconhecimento; essa fórmula coloca adequadamente o tema do ônus probandi no quadro do interesse como mola propulsora da efetiva participação dos litigantes, segundo o empenho de cada um em obter vitória. O princípio do interesse é que leva a lei distribuir o ônus da prova pelo modo que está no art. 333 do Código de Processo Civil, porque o reconhecimento dos fatos constitutivos aproveitará ao autor e o dos demais, ao réu; sem prova daqueles, a demanda inicial é julgada improcedente e, sem prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, provavelmente a defesa do réu não obterá sucesso.\". (Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. III, p.71-73).
Humberto Theodoro Júnior acrescenta:
\"No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova.
Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz.
Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.
(...)
Cada parte, portanto, tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que pretenda seja aplicado pelo juiz na solução do litígio.\". (Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. I, p. 462).
Sendo assim, a responsabilidade pelas obrigações assumidas antes de 15/05/2003, mesmo que com data de pagamento posterior, são de incumbência da vendedora.
Isto porque, alicerçada a pretensão de eximir-se do adimplemento das obrigações assumidas antes do contrato de trespasse, incumbe à autora comprovar de modo cabal suas alegações. Se não produziu essa prova (ao revés, há previsão contratual que são de sua responsabilidade), como lhe toca a teor do disposto no artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil, restou inviabilizado o acolhimento de seu pedido.
2.3.2) Da devolução das notas promissórias – recurso do embargante
Busca o apelado/apelante ver reformada a sentença quanto ao não conhecimento do pedido de devolução das notas promissórias dadas em garantia contratual, na forma da cláusula 3ª do contrato firmado entre as partes.
Dispôs o Magistrado acerca deste pedido:
Por fim, ressalto que a matéria atinente à emissão ou não de notas promissórias não pende de análise neste feito, sendo que se houve ou não sua emissão, cabe ao interessado buscar a via própria para sua anulação, mas não em sede de embargos monitórios cuja cobrança não se está fazendo com base nestes títulos de crédito. (fl. 172).
Ocorre que, da análise dos embargos monitórios, verifica-se que não foi pretendida a declaração da anulação das notas promissórias, mas sim, sua devolução, em face dos pagamentos realizados, o que é plenamente viável.
É do Código Civil:
Art. 901. Fica validamente desonerado o devedor que paga título de crédito ao legítimo portador, no vencimento, sem oposição, salvo se agiu de má-fé.
Parágrafo único. Pagando, pode o devedor exigir do credor, além da entrega do título, quitação regular.
Assim, em homenagem aos princípios da celeridade e economia processual, deve ser acolhido o pleito para devolução das notas promissórias emitidas, com base na cláusula 3ª do contrato firmado entre as partes, as quais deverão ser depositadas em Juízo, no prazo de 15 (quinze) dias, contados do pagamento do valor da condenação fixado na sentença.
Ressalva-se, por oportuno, que a modificação desta parte da sentença não tem força suficiente para alterar o ônus sucumbencial delineado na origem.
3.0) Conclusão:
Diante da fundamentação acima exarada:
3.1) conheço dos recursos;
3.1.1) nego provimento ao recurso da embargada ;
3.1.3) dou provimento ao apelo do embargante para determinar que a embargada deposite em Juízo as notas promissórias emitidas, com base na cláusula 3ª do contrato firmado entre as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, contados do pagamento do valor da condenação fixada na sentença.
Este é o voto.